quinta-feira, 19 de novembro de 2009
QUEM TEM MEDO DA CULTURA
Antonino Oliveira Júnior
“Cultura não é prioridade”. Esta frase tornou-se uma rotina no Brasil. Os artistas, produtores e intelectuais parece que assimilaram essa desculpa dos governantes e, de certa forma, se acomodaram, passando a adotar dois tipos de atitude: Ou se dão por vencido e procuram outros meios de financiamento ou se bastam com pequenos mimos e afagos dos governantes, de modo especial, os que estão mais próximos do artista, nos municípios. Claro que a gente tem que entender que educação, saúde e segurança devem ser prioridade num país de enormes diferenças sociais, mas o grande problema reside na falta de respeito para com a cultura, onde os parcos recursos são canalizados para eventos que consomem quase tudo e nada deixa para o crescimento da cidade. Milhares de Reais e uma noite de alegria, cantando e dançando. E depois? Não que os eventos não devam existir, mas não podem consumir tudo e deixar que a prata de casa, aquele artista que constrói a expressão da gente que mora na cidade, aquele que carrega nas costas e no coração as caras e as atitudes dos personagens reais do dia-a-dia “sobrevivam” com as migalhas que sobram dos contratos recheados das grandes bandas. As “Calypso” da vida raspam as fichas orçamentárias das Prefeituras. E aqui e acolá um trocadinho para o grupinho de danças, um cachê para um grupo de teatro (que merecem, claro) que mais são um mimo, um agrado de amizade pessoal.
Se um governo decide pela implantação de uma política cultural para o município, a cultura é vista de forma horizontal, sem preferências, sem levar em consideração apenas o gostar pessoal, mas, com a adoção de medidas que façam da atividade intelectual e artística um agente transformador da sociedade. São ações discutidas, planejadas e executadas com seriedade, destinando e respeitando orçamentos que possibilitem fazer cultura com dignidade, como um feito do cidadão. Respeitar a cultura passa necessariamente pelo respeito ao artista/cidadão. Respeito no tratar, na forma como propõe o contrato (quando existe, porque, geralmente, é de boca), no cachê digno, na agilidade do pagamento (é tão fácil pagar R$ 200 mil a um artista famoso, de forma antecipada, por que é tão difícil pagar R$ 400 reais a um sanfoneiro do lugar, mesmo muito depois do evento?). Respeito também na estrutura do evento. O famoso, que só vem buscar o dinheiro, se apresenta em palco bonito e som de primeira. O de casa, que tem o cheiro do povo, que brinca junto com a sua gente, se apresenta num tablado e um som fanhoso, uma nojeira. E aí, aparece um “conhecedor” que fala: “eles são muito ruins”. Claro, não é, sua besta, como pode sair bom?
Por outro lado, o Governo Federal vem anunciando um mundo de dinheiro para a cultura, mas a coisa emperra nos municípios, porque falta capacidade, conhecimento sobre cultura na maioria dos prefeitos e na quase totalidade de seus secretários de cultura. Às vezes fazem alguma coisa na pressão ou por instinto. E a gente sabe que não adianta colocar fulano ou sicrano para trabalhar numa secretaria, porque, na maioria dos casos, é colocado como secretário alguém pra fazer as festas e pronto. Eu não critico mais secretário nenhum, porque estão ali, quase sempre, para ocupar burocraticamente um lugar vazio, sustentados por amigos influentes e/ou são pessoas que estão ali para não incomodarem...e não incomodam.
Priorizar cultura, mesmo com poucos recursos, é uma decisão política. É preciso que o governante se disponha a aprender a importância da cultura para o engrandecimento da população, porque se acontecer apenas o crescimento de ruas calçadas e prédios construídos, o município incha, e será pobre, mesmo com a prefeitura rica. Priorizar a cultura é estimular a formação do Conselho de Cultura e respeitá-lo, dando condições para que o debate seja a mola propulsora das ações culturais, evitando os pratos feitos servidos frios e com má vontade. Priorizar a cultura é motivar a secretaria da pasta a sair do gabinete e descer às comunidades, onde estão os verdadeiros mananciais das manifestações artísticas mais populares e originais. Priorizar a cultura é fortalecer a secretaria de cultura junto a empresários e órgãos de outras esferas governamentais, para que cheguem a esses lugares com projetos e com a autoridade de quem representa o prefeito nesta área. É capacitar e investir em técnicos em projetos, para acabar de vez com as improvisações e amadorismo. Priorizar a cultura é ter humildade para escutar a sabedoria do brincante, a sensibilidade do poeta, a ousadia do ator, a leveza do bailarino, a sagacidade do cineasta. É, também, colocar a importância intelectual do cidadão acima das picuinhas pessoais que transformam uma cidade grande numa província.
Acho que, na verdade, alguns governantes sentem medo dos artistas e dos intelectuais. Ainda que não sejam lideranças políticas e não tenham a capacidade de conseguir muitos votos, fazem uma coisa muito perigosa. Eles, esses governantes, não querem que artistas e intelectuais se misturem com a população, porque desse convívio surge a troca de ensinamentos, a formação de consciência e nasce a estrutura básica da cidadania. E a massa, tão manobrada por eles, de repente, pode virar povo. E quando a massa vira povo, milhares de olhos se abrem, mentes pensam e o mundo ao redor se transforma.
*Antonino Oliveira Júnior é
Escritor, poeta e membro da Academia Cabense de Letras
e-mail: antoninojr@hotmail.com
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário