quarta-feira, 16 de maio de 2012

UM VELHO BAR, UM VELHO SISUDO, UMA LIÇÃO DE VIDA.


José Ambrósio

Simplicidade, sinceridade, serenidade, afetividade, tolerância. Foi exercitando diariamente essas cinco qualidades que ele conquistou gerações de adeptos, no seu caso fregueses. Daqueles fregueses que quando viajam ficam marcando o dia da volta para dar uma chegadinha naquele lugar especial, um simples boteco à moda antiga que o pouco dinheiro que rendia não permitia ao proprietário apetrechá-lo com objetos que se costuma ver em bares e que de certa forma cativam muita gente.

Nada disso. Aliás, longe disso. Um velho balcão, mesas e cadeiras somente vistas em velhos barracões de engenhos. Uma pia que estava sempre a exigir mais cuidados, panos de mão que muitos dispensavam. Nada que um rápido esfregar de mãos não resolvesse e logo se estava pronto para a cervejinha gelada ou a caninha esperta para avivar ainda mais a vontade de saborear a buchadinha, o guisadinho.

Comidas cujo preparo os clientes podiam acompanhar através da porta da cozinha sempre aberta, de modo que o aroma invadia o pequeno salão. Quem sabe mais uma esperteza para que ninguém saísse sem provar dos deliciosos pratos elaborados por dona Da, sua dedicada esposa.

Nem mesmo a receptividade discreta e muitas vezes sisuda quebrava o encanto, até para clientes de primeira viagem. E eles sempre surgiam levados por poetas, boêmios, seresteiros (nem sei se se pode distingui-los), operários, estudantes, jornalistas, políticos. Muitos tinham cadeiras e horários certos. Alguns há certo tempo não mais podiam ser encontrados, pois, como se costuma dizer em mesa de bar, partiram para o andar de cima, frase dita sempre com gestos de respeito.

Quem nunca se encontrou com Murilo Lages, Laércio Monteiro, Antonino Júnior, Ronildo Albertin, Jessé Santos, Wilson Nascimento, Douglas Menezes, Elias Gomes, Natanael Júnior, entre tantos outros, nas idas àquele bar na parte velha e alta da cidade? E quem nunca se envolveu nas acaloradas discussões políticas que em algumas ocasiões tiveram a participação de interlocutores como Jarbas Vasconcelos, Cristina Tavares e Marcus Cunha, e que invariavelmente contavam com a participação serena e sábia de um atento observador de quase três quartos de século da cena política do Cabo de Santo Agostinho?

O nome do bar? Nem sei se tem nome, mas todos o conhecem como o Bar de seu Toinho. Seu Toinho partiu para o andar superior esta semana. Certamente foi recebido por muitos que abraçou em seu bar comemorando, confortando, orientando e até puxando orelhas, sempre com o aconchego de quem aprendeu a viver modestamente, mas com sabedoria e muita dignidade.

Cabo de Santo Agostinho, noite de 15 de maio de 2012 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

ERAM TANTOS

Roberto Menezes



Eram tantos
Que já não podia se amontoar.
Eram tantos
Que não afundavam mais no mar.
Eram tantos
Que sob pistas de aeroportos
E alicerces de construção
Não podiam mais ocultar.
Eram tantos
Que passaram a incomodar
E voltaram a queimar
Como nos primeiros fornos
E nos banhos de melaço quente
Onde camponeses e operários de usinas
No golpe cruel e demente
Encontraram a morte de suas vidas severinas.
Eram tantos
E deles se livraram.
Mas esqueceram
que não se queima
Lembrança de ser querido
Afeto de desaparecido
Dor que é brasa que teima
Chama escondida que arde
Até que se faça justiça
Até que se mostre a verdade.