sábado, 27 de fevereiro de 2010

DIGNIDADE, ACIMA DE TUDO


CARTA DE ANITA PRESTES AO JORNAL "O GLOBO"

A redação de "O Globo": Tendo em vista matéria publicada em “O Globo” de hoje (p.4), intitulada “Comissão aprovará novas indenizações” e na qualidade de filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, devo esclarecer o seguinte:

Luiz Carlos Prestes sempre se opôs à sua reintegração no Exército brasileiro, tendo duas vezes se demitido e uma vez sido expulso do mesmo. Também nunca aceitou receber qualquer indenização governamental; assim, recusou pensão que lhe fora concedida pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Sr. Saturnino Braga.

A reintegração do meu pai ao Exército no posto de coronel e a concessão de pensão à família constitui, portanto, um desrespeito à sua vontade e à sua memória. Por essa razão, recusei a parte de sua pensão que me caberia.

Da mesma forma, não considerei justo receber a indenização de cem mil reais que me foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doei publicamente ao Instituto Nacional do Câncer.

Considerando o direito, que a legislação brasileira me confere, de defesa da memória do meu pai, espero que esta carta seja publicada com o mesmo destaque da matéria referida.

Atenciosamente,

Anita Leocádia Prestes

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Amor de acidentado



Rachel de Queiroz

ACONTECEU ultimamente um caso que tem chamado atenção. Estava um moço noivo, de casamento marcado para daí a poucos dias, quando de repente, ao atravessar aquela avenida de mau agouro a que por isso mesmo teimam em chamar Getúlio Vargas, caiu-lhe em cima um automóvel desabrido, desses que não procuram saber se o cristão à sua frente é noivo ou é nada - querem é passante jeitoso para derrubar, como de fato este o derrubou. O mundo não é assim mesmo, incerto e enganoso? De nada vale um homem alimentar no seu coração qualquer espécie de sonhos preciosos ou de esperanças; nem vale o alto juízo que ele faça de si ou sequer o juízo que dele façam os outros; o destino está aí na sua frente, de boca aberta e dentes afiados, na figura de um automóvel, de um micróbio, de uma onda de mar, e tanto vai para o buraco o sonhador rico de promessas como o pobre desesperado para o qual a morte já chegou tarde.

Felizmente o nosso moço não chegou a ir para o buraco. Andou perto nas primeiras horas, rebentou muito osso e deitou muito sangue - mas foi socorrido a tempo, e parece que com bastante gaze, gesso e paciência acaba ficando tão perfeito ou quase tão perfeito quanto antes do desastre.

E agora chegando à parte que chama atenção e que todo mundo acha bonito: segundo foi dito antes, estava a vítima de casamento justo, juiz apalavrado, padre tratado. A noiva de vestido feito, os doces no forno e o champanha na geladeira. Em vista disso, achou o noivo que, acidentado ou não acidentado, não seria um simples capricho do chofer que iria inutilizar tantos preparativos. E pois não desdisse nada, não adiou os convites: apenas transferiu a cerimônia para a enfermaria do hospital, e em torno do seu leito de dores se procedeu ao enlace, completo e sem atraso de um minuto.

Bem fazem os que se admiram e acham bonito, porque nestes tempos cínicos e desesperados um caso assim é um sinal tangível de que o amor ainda existe no mundo na sua forma mais pura; e passados nove séculos sobre os túmulos de Abelardo e Heloísa, ainda os encontramos reencarnados na mesma fortaleza de paixão e na mesma integridade de sentimento.

Porque diante daquele homem incógnito, enfaixado, todo revestido de gesso, a moça não hesitou em encontrar o seu amado, o seu escolhido, o único que lhe serve e lhe apela à alma no meio dos bilhões de seres do planeta. Afinal, com isso se prova que o que ela amava não era o simples corpo que o automóvel massacrou - não eram aquelas pernas agora entaladas, aquelas costelas em colete de gesso, o rosto, os lábios, os olhos que a gaze está encobrindo, e que ela não pode jurar que sairão os mesmos da aventura. De tudo que havia dentro ou fora daquele corpo e desse corpo fazendo parte, é evidente que ela amava especialmente o escondido coração dentro do peito, ou a flama imortal e imponderável que sob o nome de alma costumamos dizer que mora dentro do coração.

Ele, por seu lado, ninguém pode dizer que amasse menos. Porque um indivíduo que sofreu tal subversão corpórea, mesmo que retorne à vida sem aparente alteração no seu aspecto físico, não é possível que ressurja para a vida com as mesmas disposições de espírito que costumava usar antes. O lógico é que o rapaz atrevido que caiu debaixo das quatro rodas assassinas saia do hospital um senhor morigerado, que olha duas vezes para cada esquina antes de a atravessar. E no entanto esse homem novo está pronto a endossar os compromissos do homem antigo, e não hesita e corre para o que deseja, sem faixa ou tala que o prenda - por quê? Só porque ama, porque acima da dor, e do receio físico e da preocupação com o conserto que lhe estão fazendo os doutores no triste corpo, estão as necessidades, as exigências da alma.

Vivemos em terra de muitos acidentes, e pois o problema do amor com acidentado deve estar entre nós constantemente se propondo; por isso damos publicidade ao caso do casamento no hospital e o apresentamos à meditação dos interessados. Todos nós poderemos, mais cedo ou mais tarde, estar na situação do moço ou da moça da história: e se a meditação não nos ajudar a fugir da sanha matadora do automóvel desconhecido, pelo menos nos ensinará a não perder as esperanças, e até - quem sabe - no meio da desilusão e da tristeza, de repente ver brotar um milagre.

O gato sou eu [crônica]



Fernando Sabino

Excelente crônica escrita por Fernando Sabino, mas quem é o gato afinal? O psicanalista, tão atencioso em sua análise ou o cliente que lhe conta seu sonho? Entre um e outro, o gato firma-se como símbolo da liberdade incondicional de sonhar.

- Aí então, eu sonhei que tinha acordado. Mas continuei dormindo.
- Continuou dormindo.
- Continuei dormindo e sonhando. Sonhei que estava acordado na cama, e ao lado, sentado na cadeira, tinha um gato me olhando.
- Que espécie de gato?
- Não sei. Um gato. Não entendo de gatos. Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato.
- A que você associa essa imagem?
- Não era uma imagem: era um gato.
- Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela?
- Associo a um gato.
- Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser essa alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… Evidentemente esse gato sou eu.
- Essa não, doutor. A ser alguém, neste caso o gato sou eu.
- Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu.
- Uma projeção do senhor?
- Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você.
- Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.
- Eu sei: eu sou eu, você é você. Nem eu iria pôr em dúvida uma coisa dessas, mais do que evidente. Não é isso que eu estou dizendo. Quando falo no eu, não estou falando em mim, por favor, entenda.
- Em quem o senhor está falando?
- Estou falando na individualidade do ser, que se projeta em símbolos oníricos. Dos quais o gato do seu sonho é um perfeito exemplo. E o papel que você atribui ao gato, de fiscalizá-lo o tempo todo, sem tirar os olhos de você, é o mesmo que atribui a mim. Por isso é que eu digo que o gato sou eu.
- Absolutamente. O senhor vai me desculpar, doutor, mas o gato sou eu, e disto não abro mão.
- Vamos analisar essa sua resistência em admitir que eu seja o gato.
- Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?
- Seu. Quanto a isto, não há a menor dúvida.
- Pois então? Sendo assim, não há também a menor dúvida de que o gato sou eu, não é mesmo?
- Aí é que você se engana. O gato é você, na sua opinião. E sua opinião é suspeita, porque formulada pelo consciente. Ao passo que, no subconsciente, o gato é uma representação do que significo para você. Portanto, insisto em dizer: o gato sou eu.
- E eu insisto em dizer: não é.
- Sou.
- Não é. O senhor por favor saia do meu gato, que senão eu não volto mais aqui.
- Observe como inconscientemente você está rejeitando minha interferência na sua vida através de uma chantagem…
- Que é que há, doutor? Está me chamando de chantagista?
- É um modo de dizer. Não vai nisso nenhuma ofensa. Quero me referir à sua recusa de que eu participe de sua vida, mesmo num sonho, na forma de um gato.
- Pois se o gato sou eu! Daqui a pouco o senhor vai querer cobrar consulta até dentro do meu sonho.
- Olhe aí, não estou dizendo? Olhe a sua reação: isso é a sua maneira de me agredir. Não posso cobrar consulta dentro do seu sonho enquanto eu assumir nele a forma de um gato.
- Já disse que o gato sou eu!
- Sou eu!
- Ponha-se para fora do meu gato!
- Ponha-se para fora daqui!
- Sou eu!
- Eu!
- Eu! Eu!
- Eu! Eu! Eu!

Uma insatisfação geral com a educação atual


Nadja Nascimento

Se perguntarmos a qualquer professor, seja ele de qual for a modalidade, se ele está plenamente satisfeito com a educação atual, a resposta com toda certeza será negativa. Caso um profissional afirme o contrário, peço que, por favor, divulgue sua metodologia de trabalho. Do contrário, admitiremos sem falso moralismos nossas insatisfações, a grande maioria dos professores que tenho tido notícias, está fortemente desgastada, “matando um leão por dia”, lutando contra dificuldades para conseguir se manter bem em suas profissões. Nem precisa ser atuante na área, para que vejamos que a educação brasileira está declarando falência.

Com todos os avanços no âmbito da tecnologia, sabemos que os alunos não são os mesmos, portanto os professores não podem mais se manter indiferentes a esta realidade, não podem mais acreditar que são “detentores do saber” e que seus alunos vão assimilar os conteúdos facilmente, como estava planejado e provando através das mais tradicionais avaliações.

Infelizmente, educação passou a ser secundário nos sistemas políticos, mas ainda não é esse o agravante, chega a ser pior, por exemplo, o profissional de educação trabalhar único e exclusivamente pelo que ganha. O quero dizer com isso? Aquele profissional que se mantém alheio ao que está fazendo, ao seu papel primordial como formador de pessoas, se preocupando somente com questões meramente financeiras e burocráticas. O educar deixou de ser prioridade, desta forma deixamos de atingir metas fundamentais e o que diga os números do IDEB, que não me deixa mentir. Os maiores prejudicados nesse quadro são, sem dúvida nossas crianças, que não têm a opção de estudar, mas os professores sim, eles têm a opção de escolherem ou não essa profissão.

Esse quadro gera as mais diversas consequências, a curto e longo prazo. Questiono, se o futuro está na mão de nossas crianças e jovens, será que a escola está preparando esses alunos para receber o Brasil que vamos deixar? O ponto alto desta mudança deverá partir de quem está mais perto, não dá para sempre responsabilizar algo ou alguém, por uma coisa que podemos sim, fazer a diferença. É o professor se enxergar diferente, revendo sua própria identidade. Fazer a diferença é ser lembrado positivamente para sempre na memória e no coração dos seus alunos e isso o salário não compra.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A HISTÓRIA DE UM VELHO LAGO



"seu" Tune

Aquele lago
de águas esverdeadas
límpidas e paradas
também tem a sua história.

Aquele lago,
dantes vivia tão feliz,
como essa gente
que parece ter felicidade.

Um casal de cisnes enamorados
que nele navegava diariamente
não mais vive ali.

Corpos bem feitos e esculturais
que nele se banhavam constantemente,
abandonaram-no,
deixando-o solitário e triste.

A tua história, meu velho lago,
é idêntica à minha.
Ontem, eu via no lago dos meus olhos,
seu corpo moreno a banhar-se
nas águas dos meus olhos desejosos...

hoje, tudo distante de ti...
hoje, tudo distante de mim...

"seu" Tune (Antonino Oliveira) é um dos Patronos da Academia Cabense de Letras.

NOSSOS FILHOS


Antonino Oliveira Júnior

Filhos
que concebemos,
criamos,
defendemos,
educamos...

Filhos
por quem já choramos,
com quem já sorrimos (muito)
em momentos inesquecíveis.

Filhos
que trouxemo ao mundo,
que afagamos com carinho

A quem damos a luz,
direção,
vida...
nossas vidas (se preciso)...

Filhos que amamos...

...e eles nem são nossos...

Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras

É PRECISO ACREDITAR NOS SONHOS


Douglas Menezes

(Ao Pastor Erivaldo, com carinho)

Por mais que pareça comum e repetitivo, a existência seria vã e sem sentido, caso abdicássemos dos sonhos que nos embalam ao longo da vida. Sabemos das frustrações, das coisas que projetamos e não conseguimos realizar. As esperanças da juventude dão lugar a um não sei o quê de impotência e fatalismo, quando o dia a dia se impõe cruel e você busca tão-somente a sobrevivência. Na verdade, como encontrar forças contra os agentes que impedem uma existência de realizações? O pragmatismo, a lei da esperteza sem limite, a ganância sem fim, a inversão de valores, fazem, hoje, boa parte das pessoas sepultarem, sem uma tentativa, as visões oníricas mais legítimas.

No entanto, pessimismo à parte, observamos existir espaço para que se sonhe o sonho bem sonhado. Isto nos diferencia do irracionalismo animal. Dá o sentido que se quer para viver. Mais interessante é sabermos vislumbrar a possibilidade das realizações, muitas delas, perfeitamente possíveis, embora sem acreditarmos na hipótese de que sejam concretizadas.

Esse o combustível alimentador do presente e que deságua no futuro, deixando-nos a certeza, inclusive, da contribuição para um mundo melhor.

Não esqueçamos, aí é importante citar, o fato de que, mesmo quando não concretizamos aquilo imaginado, a projeção, o sonho, não foi em vão. Ele, alimenta, inclusive,o equilíbrio emocional e psicológico do sonhador. Lembremos, então,a música de Belchior, ilustramos o que afirmamos: ”Era como aquela gente honesta boa e comovida, que caminha para a morte pensando em vencer na vida”.
Dom Hélder, o grande pastor, morreu sonhando em ver os pobres comendo três vezes ao dia, o que ele chamava de pobreza com dignidade. Outros exemplos de tentativa do bem não conseguiram ser realizadas, mas deixaram a semente.

Por fim, façamos a reflexão. O sonho não é algo fictício. Irreal, às vezes; factível em muitos casos. Aos milhares, homens sacrificaram a existência ao longo dos séculos, só porque ousaram sonhar, e pensaram no bem coletivo. Isto porque não somos pedras. Nosso material é feito, inclusive, de sensibilidade muita; de emoção bastante; e de perspectiva sobre algo que pode vir. Como diz o poeta Moraes Moreira, popular e filosoficamente: ”Chorar é preciso e não faz vergonha, eu só acredito num homem que chora e sonha”.

DOUGLAS MENEZES é membro da Academia Cabense de Letras.

MAIO DE 2008.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

EVOCAÇÃO DO RECIFE


Manuel Bandeira

Recife

Não a Veneza americana

Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais

Não o Recife dos Mascates

Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois

— Recife das revoluções libertárias

Mas o Recife sem história nem literatura

Recife sem mais nada

Recife da minha infância

A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado

e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas

Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê

na ponta do nariz

Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras

mexericos namoros risadas

A gente brincava no meio da rua

Os meninos gritavam:

Coelho sai!

Não sai!


A distância as vozes macias das meninas politonavam:

Roseira dá-me uma rosa

Craveiro dá-me um botão


(Dessas rosas muita rosa

Terá morrido em botão...)

De repente

nos longos da noite

um sino

Uma pessoa grande dizia:

Fogo em Santo Antônio!

Outra contrariava: São José!

Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.

Os homens punham o chapéu saíam fumando

E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.


Rua da União...

Como eram lindos os montes das ruas da minha infância

Rua do Sol

(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)

Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...

...onde se ia fumar escondido

Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...

...onde se ia pescar escondido

Capiberibe

— Capiberibe

Lá longe o sertãozinho de Caxangá

Banheiros de palha

Um dia eu vi uma moça nuinha no banho

Fiquei parado o coração batendo

Ela se riu

Foi o meu primeiro alumbramento

Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu

E nos pegões da ponte do trem de ferro

os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras


Novenas

Cavalhadas

E eu me deitei no colo da menina e ela começou

a passar a mão nos meus cabelos

Capiberibe

— Capiberibe

Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas

Com o xale vistoso de pano da Costa

E o vendedor de roletes de cana

O de amendoim

que se chamava midubim e não era torrado era cozido

Me lembro de todos os pregões:

Ovos frescos e baratos

Dez ovos por uma pataca

Foi há muito tempo...

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nós

O que fazemos

É macaquear

A sintaxe lusíada

A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem

Terras que não sabia onde ficavam

Recife...

Rua da União...

A casa de meu avô...

Nunca pensei que ela acabasse!

Tudo lá parecia impregnado de eternidade

Recife...

Meu avô morto.

Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro

como a casa de meu avô

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

CRIATIVIDADE DO FOLIÃO



Se cobrir vira Circo,
Se cercar vira cadeia,
Se enterrar vira aterro sanitário!!


(Folião no Galo da Madrugada mostrava maquete com a legenda)

O GRANDE ENCONTRO

Frederico Menezes

Aproxima - se o Encontro histórico. O evento sobre uma Nova Consciencia Cristã, que será realizado na Câmara de Vereadores do Cabo de Santo Agostinho, na sexta - feira e no sábado, após o carnaval, será um momento marcante pelos objetivos e o significado que carrega. Já passou da hora das religiões deixarem de ser razão de conflitos e violencia no mundo. É uma brutal incoerencia que se agrida e se mate em nome dos caminhos do Amor. Muitos se afastaram de Deus porque não aceitaram (com justa razão) que os seguidores dos diversos seguimentos religiosos brigassem pela "posse" de Deus. Muitas transformações vem ocorrendo na humanidade e as religiões, com sua tarefa sagrada, devem buscar as expressões mais belas e límpidas da tolerância e do respeito entre elas.

Quanto possível, tenho ressaltado a necessidade da vivencia dos sublimes postulados religiosos para que o materialismo, o real adversário da verdade, seja enfrentado. A Humanidade está doente e não é por falta de religiões, e sim, por ausência de exemplos vividos. São religiosos de todas as correntes que se apresentam angustiados e deprimidos, sem encontrarem o sentido da vida. Face a força do materialismo, há os que buscam na religião o progresso material, numa relação superficial para com a finalidade da existencia.

Por tudo isso, aonde surgir encontros que possam projetar a possibilidade de se criar canais de diálogos entre seguidores dos diversos credos, deve-se aproveitar a oportunidade. Este Encontro terá a participação do respeitado Frei Aloisio Fragoso, do querido Pastor Erivaldo Alves, da igreja Batista e nossa participação como espírita. Vamos trocar ideias à respeito dos que nos une e como fazer para realizarmos,juntos, algo pela divina mensagem do Evangelho. Como nos tornarmos agentes transformadores da realidade à nossa volta ? Quais os caminhos para potencializar o que nos une?

É mais fácil quebrar uma vara que um feixe. Quem puder, venha somar conosco nesse encontro, criando uma atmosfera de esperança e legítima fraternidade.Após o evento, voltaremos a tratar do assunto comentando como trancorreu.

*Frederico Menezes é um dos palestrantes do Seminário Cristão e membro da ACADEMIA CABENSE DE LETRAS.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

UM CARNAVAL DEMOCRÁTICO E MULTICULTURAL



Antonino Oliveira Júnior*

Estive na cidade de Bezerros, no domingo de carnaval e me deparei com um carnaval democrático, popular e, acima de tudo, verdadeiramente multicultural, na essência e no pleno significado da palavra.

De cara encontramos uma cidade preparada para a folia, com uma decoração simples, porém, expressiva, seguindo à risca a temática dos papangús, com máscaras gigantescas colocadas nos postes e um povo que esbanjava felicidade e alegria, juntando-se o tempero das orquestras de frevo, dos maracatus e dos demais ritmos e passos do carnaval de Pernambuco. Uma beleza imensa.

As ruas, todas tomadas por foliões animados, na sua maioria, jovens, eram transformadas num imenso salão de carnaval. Uma juventude bonita (ah, Capiba!!! – “...a juventude dourada, na rua que é do povo, camisa aberta no peito...”) envolvida no frevo executado por orquestras que tocavam no chão, Bloco e povo misturados, e mal a gente respirava, lá vinha o maracatu estremecendo as ruas com suas alfaias potentes em seu cortejo de muita concentração e gingado. E o povo misturado, no som do Afoxé que vem logo a seguir, executando seus toques místicos e mostrando a sensualidade dos quadris de suas mulatas e morenas. Como ficar parado? Como não se deixar envolver pela magia daquele carnaval?

Ali, em Bezerros, estava o carnaval na sua essência cultural e na democracia de sua brincadeira. Todos viram brincantes em Bezerros. Nenhum sintoma de briga e nem, sequer, de discussão. Todos estavam ali para brincar o carnaval e Reboleixon (escrevo assim de propósito), nem de longe. Por um momento pensei: Será que esses jovens não são jovens? Por que não estão dançando o reboleixon? E a resposta veio logo, sem titubear: É porque ali, no carnaval de Bezerros o carnaval é uma festa de carnaval, e se é em Pernambuco, é pernambucano, sem qualquer preconceito. Não vi um jovem sequer (menino ou menina) reclamar a falta do reboleixon, justamente porque não lhes faltavam os ritmos do carnaval de Pernambuco, o contagiante frevo-de-rua, o lirirsmo do frevo-de-blocos, o charme dos passos do caboclinho, a sensualidade e a seriedade dos ritmos afros. Lembrei de Olinda, no início da década de 70 (do século passado), quando aquela cidade fez escola, tirando o carnaval dos guetos dos Salões dos Clubes, que abrigavam os ricos e classe média para que brincassem um carnaval sem misturas. Olinda democratizou o carnaval, num momento em que o próprio país não podia ser democrático. O carnaval foi para as ruas (Ah, Michilles – “...e a folia explodiu no ar!!!”)

Bezerros foi palco do carnaval da juventude dourada, dos coroas que a idade lhes dava apenas a opção de frevar da cintura para cima, dos casais fantasiados trocando beijos e ternura. Vi criancinhas (dentre elas a minha neta Camila), pulando, frevando, sorrindo, como quem dizia para o restante: o carnaval de Pernambuco está salvo! Era um carnaval de povo feliz, dentro e fora dos Blocos, uma alegria sem tempo (nem novo e nem velho). Era apenas a alegria do carnaval do povo. Um carnaval de todos, para todos.

E, justiça se faça, aquele carnaval participação que vi em Bezerros, não é fruto de contenção de gastos, não acontece daquela maneira porque o Prefeito “cortou” 40 ou 50 por cento dos recursos que se pretendia. Ali é uma concepção acertada do que seja o carnaval, do que ele representa para a cultura do povo. É a maior manifestação cultural do país. Tem que ser respeitada. Tem que ser um projeto sério, para que a iniciativa privada venha a investir, formando parceria com o Poder Público. Aquele carnaval é uma decisão política (por favor, articuladores de plantão, não falo de Partidos Políticos e muito menos das atitudes mesquinhas) em tornar o carnaval da cidade um patrimônio cultural da população e que as brincadeiras sejam respeitadas como um bem público. Olinda e Bezerros são, verdadeiramente, exemplos de carnaval democrático e multicultural.

PS: Sou fã do carnaval de Recife, mas, acho um equívoco promover shows com Zeca Baleiro, Maria Rita, Fernanda Abreu, Arnaldo Antunes, etc., todos reconhecidamente muito bons, mas, que nada têm a ver com o carnaval de Pernambuco. Este, sim, por si só, já é multicultural.

*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras

O MESMO PAI, O MESMO FILHO, O MESMO AMOR


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

TÁ CHEGANDO O CARNAVA L - EVOÉ




ESTATUTO DO FOLIÃO
Antonino Oliveira Júnior*


Art. 1 - Fica decretado, que durante todo o carnaval não haverá lugar para a tristeza e que a alegria deverá reinar na cidade.

Art. 2 – Que ao folião será dado o direito de extravasar sua alegria ao som do maracatu, do caboclinho, do afoxé, do samba e, principalmente, do frevo.

Art. 3 - Fica terminantemente proibida qualquer manifestação de violência, garantindo-se ao folião o direito de brincar em segurança.

Art. 4 - Que será respeitado o espaço do folião infantil, assegurando-se, dessa forma, o futuro do carnaval.

Art. 5 - Que Pierrôs e Colombinas poderão, enfim, se amar sem lágrimas e sem barreiras.

Art. 6 - Que durante o carnaval a cidade estará colorida e iluminada, para deleite dos foliões.

Art. 7 - Que o rei e a rainha do Carnaval serão parceiros do povo na alegria e no prazer da folia.

Art. 8 - Que a quarta-feira de cinzas não será o fim, mas o início da pausa entre um carnaval e outro.

Art. 9 - Que as ruas, praças, becos e ladeiras da cidade serão territórios livres e democráticos, para que sejam ocupados, de forma igual, por Troças, Blocos, Caboclinhos, Maracatus, enfim, por foliões de todas as raças e credos, de qualquer naturalidade e nacionalidade.

Art. 10 - Que o povo seja, definitivamente, dono dos passos e danças que executar; que amanheça na folia e que, exausto, possa adormecer, embalado por um Frevo-de-Bloco cantado à distância.


*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras

BEM MAIS QUE UM ABRIGO



Douglas Menezes*

Não é novidade alguma o enaltecimento do grande trabalho social realizado pelo Abrigo de São Francisco de Assis, há décadas acolhendo pessoas idosas que,por um desses azares da vida ,estavam fadadas a ter um final de vida melancólico e desassistido. Faz parte da paisagem do Cabo de Santo Agostinho aquela obra que fora um sonho tornado realidade pela Madre Iva Cardoso. De fato, acompanhar a velhice de modo digno como vem sendo feito, muitas vezes com muito sacrifício, contando com a ajuda das irmãs franciscanas e de alguns abnegados, torna aquela casa de acolhimento uma das marcas de bondade e respeito humano que engrandecem nossa cidade não só no âmbito local, mas, e sobretudo, como um símbolo de humanidade e desprendimento para todo o estado de Pernambuco. Suas eternas dificuldades servem para demonstrar quão, no Brasil, a inversão de valores, inclusive morais, nos causa uma espécie de revolta, pois os escândalos, o mau uso do dinheiro público, as falcatruas e os enriquecimentos ilícitos explodem cotidianamente, enquanto instituições sérias vivem à míngua, esperando a esmola dos que têm bons corações.Isto serve para que elevemos nosso nível de consciência para a necessidade de profundas transformações na Sociedade brasileira, coisa que o pretenso governo de esquerda não conseguiu fazer.

É preciso dizer, também, em relação ao Abrigo São Francisco que ele se insere, hoje, como um elemento histórico da nossa paisagem. Uma tradição merecendo ser tombada, legando à posteridade o exemplo maior de servir ao próximo. Numa cidade que teima em esquecer de se lembrar, a cada dia perdendo a identidade, salvo o trabalho hercúleo da Casa da memória realizado por Antonino Júnior, perpetuar a história do Abrigo é, no mínimo, lembrar do sentimento cristão do Cabo de Santo Agostinho, principalmente aquele de doar sem intenção de obter retorno. A luta heróica para construí-lo, os primeiros hóspedes, as várias reformas ali ocorridas, as festas memoráveis que marcaram época em nossa cidade. Sendo seu lado profano aguardado pelos cabenses com intensa ansiedade no mês de outubro. Demonstrando isso a abertura da instituição para toda a cidade, num gesto de acolhimento em relação à comunidade cabense. A capela do Abrigo é, justamente, o elo maior entre o albergue dos “velhinhos” e o povo.

O Abrigo de São Francisco está acima de qualquer concepção religiosa. É uma voz destoante,distante desse mundo que insiste em desconhecer os valores humanos verdadeiros, calcados na bondade gratuita, que representa a vida de seu patrono: São Francisco de Assis.
28 de maio de 2009

*Douglas Menezes é membro da Academia Cabense de Letras

TÁ CHEGANDO O CARNAVAL - EVOÉ



AS SURUBETES - Desfila hoje, a partir das 19 horas, na Vila Social, Cavo de Santo Agostinho, o Bloco AS SURUBETES. Irreverente, AS SURUBETES arrasta multidão ao som de uma excelente Orquestra de Frevo, tornando-se uma tradição da semana pré-carnavalesca.

BLOCO DO MIOLO MOLE - Desfila nesta quinta-feira, dia 11 de fevereiro, pelas ruas do Recife antigo. Organizado pelos doutores da alegria, o MIOLO MOLE promete botar prá frever a multidão de foliões que acompanham a agremiação, que sai às 20 horas, da Rua da Moeda. Vale a pena conferir.

ZÉ PEREIRA DE VAVÁ DA VACA - Uma tradiç~´ao na semana pré-carnavalesca do Cabo de Santo Agostinho. Atualmente é o Bloco mais antigo a desfilar nas ruas da cidade, arrastando uma multidão, com orquestra de frevo no chão. A cidade para para acompanhar e ver o desfile do É PEREIRA DE VAVÁ DA VACA. Sai às 20 horas, da Rua Dr. Inácio de Barros, centro da cidade.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ANTONIO CAMPOS - estréia no Jornal do Brasil



POR UMA NOVA DIPLOMACIA CULTURAL


O Brasil experimenta o melhor momento de toda sua história quanto à estabilidade econômica e há uma feliz perspectiva de crescimento. O país não só resolveu a dívida externa, acumulada desde que era colônia de Portugal, como passou a ser credor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Vem obtendo fechamentos cada vez mais positivos em sua balança comercial. Tem recebido fortes investimentos de companhias estrangeiras, que apostam com vigor no mercado nacional. Descobriu uma extensa camada de óleo sob suas águas (pré-sal) e até recebeu a concessão para sediar sua segunda Copa do Mundo de futebol e a primeira Olimpíada a ser realizada no continente sul-americano, que acontecerá no Rio de Janeiro.

Além disso, atravessou uma das mais violentas crises econômicas globais de todos os tempos e saiu quase ileso. Por isso mesmo, o Fórum Econômico Mundial escolheu o presidente Lula como o primeiro vencedor do recém-criado Prêmio Estadista Global, pela condução da economia brasileira durante a crise financeira mundial. Antes mesmo desse Fórum, economistas de vários países já previam que o Brasil será a quinta maior economia do planeta até 2020. Todos esses fatos são extraordinários. Contudo, as relações internacionais do Brasil precisam ser vistas não apenas sob o prisma dos entendimentos político-econômicos. É necessário se pensar e desenvolver de forma mais eficaz a nossa diplomacia cultural, o nosso diálogo com as culturas dos outros países.

A atividade mercantil e os negócios financeiros promovem o contato entre as pessoas, mas nada melhor que a cultura para fortalecer as raízes do processo de integração entre as sociedades. As desconfianças e rivalidades atenuam-se rapidamente quando há um maior nível de conhecimento das especificidades do outro. Se atentarmos para isso, veremos que a difusão da história cultural dos povos influencia positivamente na maneira de pensar as relações entre os Estados. As representações das diversas culturas constituem-se em objetos históricos legítimos, portanto um maior intercâmbio das práticas e produções culturais precisa ser sempre promovido.

Infelizmente, a cultura ainda é considerada por muitos algo supérfluo, não é valorizada nem como um instrumento de aproximação das sociedades nem como facilitadora do avanço da integração mundial ou regional. No Mercosul, por exemplo, as questões culturais são muito pouco debatidas. Os ricos patrimônios culturais dos países integrantes permanecem ignorados e não são utilizados como instrumentos para a construção de vínculos de confiança e de cooperação entre seus povos. A ausência de uma política cultural dos países que o integram deixa claro quais são as prioridades: as de natureza comercial.

O aspecto cultural nas relações internacionais brasileiras pode e deve ser melhor cultivado. Precisamos promover iniciativas integradas aos países de todos os continentes para estimular um conhecimento mútuo e divulgar os principais aspectos da cultura brasileira, instaurando, assim, uma política cultural que vise à harmonia e ao congraçamento entre os povos, antes mesmo que qualquer comercialização do produto cultural. Uma significativa ação nesse sentido seria a implementação do Instituto Machado de Assis (IMA), instituição que deverá ficar ligada ao Ministério da Cultura (Minc). O instituto foi idealizado para formular e coordenar as políticas de promoção da língua portuguesa no Brasil e no mundo, induzindo e organizando pesquisas sobre o idioma, além de ser referência para o ensino e formação de professores e promover atividades científicas e culturais visando à divulgação da língua portuguesa e da cultura lusófona.

O Português é o idioma usado por 200 milhões de pessoas, constituindo-se no quinto mais falado do mundo. Cabe ao governo brasileiro estruturar o projeto de criação do IMA nos moldes da declaração conjunta entre Brasil e Portugal, por ocasião da VIII Cimeira Luso-Brasileira, realizada na cidade do Porto, em 2005, na qual ambos os países asseveram a importância da promoção da língua portuguesa em nível internacional. Servirão como referência para a contextualização e o início da constituição de uma entidade adequada à realidade brasileira instituições tradicionais e experientes nesse mesmo trabalho, a exemplo do Instituto Camões, Instituto Cervantes, Instituto Dante Alighieri e do British Council. O Instituto Machado de Assis deve contribuir ainda para o efetivo desempenho das práticas sociais da escrita e da leitura para todos os cidadãos brasileiros. É imperioso que em breve seja ‘tirado do papel’, contribuindo para iniciarmos uma nova diplomacia cultural no Brasil.

© Jornal do Brasil, JB Ideias | L7, 6 (sábado) de fevereiro de 2010

LÁGRIMAS SEM COR


(a Neguinho da Beija-Flor, em seu momento de dor)

Vi o negro de perto
no navio negreiro,
sua dor, suas lágrimas;
vi o negro de perto
nos grilhões dos engenhos,
seu tormento, suas lágrimas;
vi o negro de perto
na vida,
carregando nos ombros os pesos
em preto e em branco.

Negros
da bola, do gol, do samba,
do canto presente,
negro Presidente...
vi o negro
que canta beijos,
que beija a gente,
que beija a flor...
vi o negro cantando, encantando,
vi o negro chorando...
vi suas lágrimas, como as minhas,
pura emoção...
lágrimas, só lágrimas...
do coração,
lágrima incolor.

*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras.

ENCONTRO NA PRIMAVERA


Jairo Lima

Deu-nos o destino a primavera

Banhando-nos com flores perfumadas

Quando o ninho do pássaro se fizera

E copulam as espécies apaixonadas


Deu-nos a primavera nosso encontro

Em dia festivo dos infantes

Tudo até parece estava pronto

Éramos sem saber já bons amantes


Dar-nos-á esse encontro a certeza

Das quatro estações por toda vida

No verão teu suor, tua beleza


No outono tua alma mais sentida

Do inverno, aquecidos com proezas

Retornamos à primavera tão querida


*Jairo Lima é membro da Academia Cabense de Letras.

I FESTIVAL DA MUSICA REGIONAL DE JABOATÃO DOS GUARARAPES




Será no mês de maio, do dia 19 ao dia 22, o I FESTIVAL DE MÚSICA REGIONAL DE JABOATÃO DOS GUARARAPES, uma realização da Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, através da Secretaria de Cultura e Eventos, com o objetivo oportunizar e fomentar a cultura regional. A Secretaria de Cultura de Jaboatão dos Guararapes vem desenvolvendo um trabalho sério, voltado para o desenvolvimento e a valorização das manifestações culturais que expressam a identidade da população. As inscrições estão abertas e as informações podem ser conseguidas com Cobra Coderlista, um dos coordenadores do evento, na Secretaria de Cultura daquele município, pelo telefone: 3462 4440.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

HAITI


por Eduardo Galeano

A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental


(Os pecados do Haiti. A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental. Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. O artigo é de Eduardo Galeano. Fonte: Agência Carta Maior)

A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto

Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito com um voto sequer.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:

– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.
O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Port-au-Prince, qual é o problema:

– Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.

E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.

Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.

Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.
A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis da invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".

O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão de obra escrava. No Espírito das Leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".

Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável

Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos tinham conquistado antes a sua independência, mas meio milhão de escravos trabalhavam nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém comprava do Haiti, ninguém vendia, ninguém reconhecia a nova nação.

O delito da dignidade

Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar conseguiu reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma idéia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.

Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. A essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perda por haver cometido o delito da dignidade.

A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

Fonte: www.trilhasliterarias.com

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O mesmo Pai, o mesmo Filho, o mesmo Amor.



Acontece nos dias 19 e 20 de fevereiro, o Seminário "por uma nova Consciência Cristã", na Câmara de Vereadores do Cabo. O tema do Seminário é "O QUE PODEMOS FAZER JUNTOS?" e terá como palestrantes: Frederico Menezes (Espírita), Pastor Erivaldo Alves (Evangélico) e Frei Aloísio Fragoso (Católico). A iniciativa de realizar o Seminário foi do Centro de Estudos e Divulgação do Evangelho, um organismo nascido na Igreja Batista da Cohab, contando com a adesão da Sociedade Espírita Casa do Caminho, entidade que passou a coordenar o evento, em conjunto com o CEDE.

As informações mais detalhadas podem ser através de contato com os três coordenadores do Seminário: Antonino Oliveira Júnior (8718 6542) Jairo Lima (8793 9785) e Wilson Firmo (8871 9644). Na próxima terça-feira, dia 9 de fevereiro, a partir das 11 horas, os coordenadores estarão no Programa PASSANDO A LIMPO, da Rádio Calhetas, para maiores esclarecimentos sobre o evento.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

SERPENTE

Nelino Azevedo

A palavra salga a língua
e destempera e esgrima e mata
a alma de quem não sabe
A face a cor e o teor
o verdadeiro sabor
que tem o gosto da fala.

A palavra ávida
Ara
Cultiva
A cova
Em terra
Planta
A semente
Serpente traiçoeira
Que envenena o tino
E aniquila a mente
De quem não sabe ao certo
A força que tem o verbo.

*Nelino Azevedo é membro da Academia Cabense de Letras.

OS MISERÁVEIS



Ivan Marinho

Só se teme aos inimigos,
prezados cristãos,
e o medo é a doença dos covardes:
os que olham os que vêem
sem coragem de encontrá-los nas alturas,
querendo-os na lama,
porcos tal a si próprios.
Os que estão com os pobres
contra a pbreza
e com os ricos
contra os pobres.
Os que têm a língua afiada
e a retórica, não como elemento estático,
mas dissimulador da superficialidade.
Os que se refletem em olhos, espelhos,
porque não podem mergulhar em olhares.
Malditos!
Condeno-vos a vós mesmos:
túmulos vazios!

*Ivan Marinho é membro da Academia Cabense de Letras

EU PIVETE



Jeová Morais

Pelas ruas sem destino,
ao relento estou atento,
a deliquência me chama,
sou pivete menino.
Trombo aqui e levo algo,
sou trombado e sou levado,
não conheço o amor.
Fui gerado por acaso,
não tenho nome e nem registro,
sou largado e mal-educado,
sou pivete, magistrado,
sou pivete, magistrado.
Não sei ler, nem escrever,
só o mal conheço ao meu lado,
roubo, mato e sou surrado,
sou pivete abandonado.
Se mostrar-me o caminho,
talvez ainda haja tempo,
para ser famoso e respeitado
tirando-me do ninho das antas,
ainda tenho esperança,
de não ser pivete abandonado.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

RONALDO CUNHA LIMA





NÃO MALDIGO OS VERSOS QUE LHE FIZ

Ronaldo Cunha Lima

Não maldigo os versos que lhe fiz,
embora não devesse tê-los feito.
São versos que nasceram do meu peito,
mas frutos de um amor muito infeliz.

São versos que guardam o que não quis
guardar daquele nosso amor desfeito.
Relendo-os sofro, e sofrendo aceito
o que o destino quis como juiz.

Não os maldigo, não. Não os maldigo.
Vou guardá-los em mim como castigo,
para no amor eu escolher direito.

Só porque nesse amor não fui feliz,
não maldigo os versos que lhe fiz,
embora não devesse tê-los feito.

GERAÇÃO 65 - UMA JUSTA HOMENAGEM



Na próxima semana, estaremos homenageando a Geração 65, movimento literário que abriu espaços aos novos e inquietos poetas e escritores que decidiram pensar, escrever e falar de forma não convencional. Alberto da Cunha Melo, Marcus Acioly, Jaci Ribeiro, Juhareiz Correya, dentre outros, receberão esta singela homenagem do nosso blog.

INSTITUTO CULTURAL V ICENTE PINZÓN



Aconteceu nesta quinta-feira, dia 4 de fevereiro, a reabertura do escritório do Insttituto Vicente Pinzón, no Mercadão, Cabo de Santo Agostinho. A proposta da diretoria é manter o Instituto vivo e promovendo ações culturais, em parceria com diversas entidades culturais do município.

COCO DO MESTRE GOITÁ




O mestre Goitá anunciando agenda para o mês de fevereiro, levando o autêntico Coco-de-roda aos quatro cantos da região. Nascido, criado e ainda em Pontezinha, o Grupo é um dos que são fiéis aos passos originais do coco-de-roda. Eis a agenda, passada pelo próprio mestre Goitá:

No dia 11 tem coco na casa da Cultura 15hs
No dia 15 quinze tem coco em Porto de Galinhas
No dia 16 tem coco em Pontezinha

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE



"A cada dia que vivo, mais me convenço
de que o desperdício da vida está no amor que não damos,
nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade".

Concordo com você,e é por isto que eu me arrisco tanto..
TE AMO...TE AMO...TE AMO...TE AMO...TE AMO...!!!!!!!!!!

CECÍLIA MEIRELES



SERENATA

"Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,e a dor é de origem divina.
Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo"

FERNANDO PESSOA


Entre o sono e sonho

Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre
Esse rio sem fim.

VINICIUS DE MORAIS



Vinicius de Morais
SONETO DO AMIGO

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

MIRÓ - O POETA DA MURIBECA




MARGINAL RECIFE

Recife
Cidade das pontes
E das fontes da miséria
Poetas mendigando passes
Pra voltar pra casa
E sua poesia passando despercebida
Aliás,
Nem passa.

TÁ CHEGANDO O CARNAVAL - EVOÉ




Dia 11 de fevereiro acontece na cidade do Cabo de Santo Agostinho, o desfile do tradicional Zé Pereira de Vavá da Vaca, o mais antigo Bloco em atividade na cidade. A saída acontece às 20 horas, da Rua Dr. Inácio de Barros, centro da cidade, arrastando multidão de foliões, com Orquestra de Frevo no chão, o que expressa a autenticidade da agremiação carnavalesca cabense. Já falecido, o conhecido folião Vavá da Vaca, deixou nos seus filhos a mesma alegria e o compromisso com a manifestação cultural do carnaval de blocos.

OFICINA DE XAXADO


Acontece nesta quarta-feira, dia 3, às 18 horas,no Teatro Barreto Júnior do Cabo de Santo Agostinho, mais um oficina de Xaxado promovida pelo Ponto de Cultura Bacamarteiros: Tiro de Paz. É uma iniciativa da Sociedade dos Bacamarteiros do Cabo, em convênio com os Governos Estadual e Federal, sob a coordenação do poeta, artista plástico e membro da Academia Cabense de Letras, Ivan Marinho.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A ATUALIDADE PERPÉTUA DE PAULO




Desde que Ernest Renan fez publicar sua monumental e magnificamente escrita série de textos sobre as origens do cristianismo, em que lançou luz sobre sua figura, o fariseu Saul (com nome de rei tribal judeu) de Tarso saiu das sombras de uma posição subalterna no Novo Testamento para campos mais iluminados da reflexão filosófica. Embora tenha mantido incólume sua fama de prosador de indiscutíveis graça e qualidade, o francês é hoje submetido ao crivo das dúvidas em seus atributos de arqueólogo e historiador. De sua biografia de São Paulo, rebatizado após a espetaculosa conversão, ao cair do cavalo na estrada de Damasco, de perseguidor de cristãos a cristão perseguido, vêm a lume sinais de que este foi mais que o apóstolo dos gentios da tradição de uma das profissões religiosas predominantes no mundo pós-Império Romano. Mais que mártir ou autor das epístolas às comunidades cristãs primitivas mantidas no rito da missa 20 séculos depois, ele foi redescoberto como uma espécie de criador do Cristo, a mente poderosa que transformou o profeta simplório e taumaturgo popular na referência de uma civilização que dominaria os territórios conquistados pelas legiões romanas e as mentes e os corações que nelas têm habitado. O Paulo de Renan criou algo que viria a se chamar de Ocidente e foi o instaurador da Europa, continente que dizimou indígenas na América e tribos primitivas na África, deixando suas pegadas também pela Ásia anciã.

EPÍSTOLAS PAULINAS TRAZEM MAIS DO QUE A EVIDÊNCIA DO AMOR COMO NORMA DE VIDA

O filho do comerciante de tendas, que, segundo se desconfia, pode ter corrompido algum burocrata do Império para adquirir a condição de cidadão romano, judeu de origem e grego por vocação globalizante (ou seja, gregária), está descendo dos altares para conquistar a glória das cátedras. Nesta era globalizante, ele deixa a hagiografia para ocupar o panteão da filosofia, entrando pelo portal da ideologia. É possível argumentar que a simpatia dos comunistas pelas raízes da cristandade remonta às origens do marxismo: o parceiro financiador do velho barbudo, Friedrich Engels, tratou do tema comparando os cristãos primitivos com os pioneiros das comunas no século 19. Engels, contudo, não é filósofo que se leve a sério fora das hostes socialistas, ao contrário do francês Alain Badiou, autor do recém-lançado São Paulo: A Fundação do Universalismo (tradução de Wanda Caldeira Brant). Num texto erudito, claro e breve, este papa do pensamento da esquerda democrática contemporânea europeia resgata o papel fundamental que o apóstolo peripatético e distribuidor de cânones para os prosélitos da nova religião na Ásia Menor e no centro do Império teve na fixação de nossa vocação para cidadãos do mundo.

Com a honestidade intelectual dos devotos da lógica e da transparência, capazes de ler além dos próprios limites e raciocinar acima dos preceitos, o autor encontra nas epístolas paulinas mais que as evidências da instauração do amor como norma de convívio e sobrevivência da condição humana. O célebre trecho da carta aos coríntios, em que o missivista indica ao homem antigo a porta de saída de sua renitente crosta de egoísmo bárbaro, usando o convívio harmonioso com o outro como senha de acesso à civilização, compõe um conjunto de ideias fundadoras. Coerentes entre si, tornam a palavra paulina essencial, conforme Badiou, para a compreensão dos enigmas que ora tentamos decifrar.

Mais até que o universalismo do discurso do apóstolo, citado no título do ensaio, fascina o filósofo francês a atualidade do pregador globe-trotter de 2 mil anos atrás. Ele encontra essa contemporaneidade “perpétua” no estilo e até no universo vocabular empregados nas epístolas, que, segundo o consenso arqueológico, precedem historicamente os Evangelhos e os outros textos do Novo Testamento. Por mais escassas que sejam as linhas das cartas chegadas até nós hoje em dia, nelas predomina, conforme Badiou, “sob o imperativo do acontecimento, algo vigoroso e atemporal, algo que, precisamente porque se trata de destinar um pensamento ao universal em sua singularidade nascente (o grifo é do autor), mas independentemente de qualquer particularidade, nos é inteligível sem termos de recorrer a pesadas mediações históricas (o que está longe de ser o caso de diversas passagens dos Evangelhos, para não falar do opaco Apocalipse).”

Pier Paolo (que não se perca pelo nome) Pasolini, grande cineasta (diretor do vigoroso O Evangelho Segundo Mateus), definido por Badiou como “um dos maiores poetas de nosso tempo”, é citado na obra como testemunha dessa contemporaneidade que nunca se perde. O autor ilustra sua afirmação com o projeto cinematográfico em que PPP pretendia situar o apóstolo hoje sem mudar uma só palavra que remanesce do que ele escreveu há 20 séculos. Poderoso exemplo, não?

Só que há no livro de Badiou algo que vai além do roteiro citado, no qual Pasolini pretendia fazer do xará dele um ancestral dos comunistas atuais. A atualidade que o pensador moderno vê nas cartas do apóstolo de antanho não se apoia em ideias, mas em eventos, na clareza com que o missivista antigo descrevia os fatos de seu tempo com a clarividência de quem é capaz de enxergar além dele. O Paulo de Badiou não é precursor, mas profeta: não prevê, mas relata o que vai mudar para que tudo fique tal qual sempre foi.

José Nêumanne

Fonte: Trilhas Literárias

RÉQUIEM PARA UM POETA QUE SE FOI


Antonino Oliveira Júnior

E o poeta disse não,
disse adeus à inspiração...
preferiu o exílio de si mesmo
ou o partir como quem morre...

Tanto amor cultivado
tanta or transformada
tanto amor
que teu olhar pétreo ignorava;

E o poeta partiu como quem morre...

Sabendo-se caidiço
recusa-se a voltar o olhar
e apenas leva na mente
a relva onde deitou seus versos...

E o poeta partiu como quem morre,
no recato de seus pensamentos.