sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ASCENSO FERREIRA



Luiz Alberto Machado


Conheci Ascenso, "rei dos mestres, que aprendeu sem se ensinar", ou melhor, a sua obra, com a publicação da antologia "Poetas de Palmares", uma iniciativa do Juarez Correia e Eloi Pedro, editado pela Editora Palmares, em 1973, ano do primeiro centenário municipal. Eu, nesse tempo, contava com 13 anos de idade e saía recitando sua "Filosofia": "Hora de comer, - comer! Hora de dormir, - dormir! Hora de vadiar, - vadiar! Hora de trabalhar? - Pernas pro ar que ninguém é de ferro!". E já me esgueirava fazendo jograis com a turma do colégio com seus poemas engraçados e que representavam a realidade daquele lugar: as feiras, as iguarias locais, a vida besta, a putaria, a risadagem, o adiantamento, as invencionices peculiares ao local onde nasci.

Na antologia estavam Raimundo Alves de Souza (alfaiate, Don Juan inveterado, noventa e tantos anos nas costelas, um poeta que morreu criando a maior polêmica que o indicava como sendo o pai biológico de Vinicius de Morais), o poeta e folclorista Jayme Griz, o artista plástico Teles Júnior, o teatrólogo e poeta Fenelon Barreto, meu pai Rubem Machado, e toda uma plêiade que consagravam à terra dos Palmares a verdadeira "Terra dos Poetas".

No volume ainda podia conhecer a obra dos mais novos poetas que surgiam com belíssimos poemas, como Eniel Sabino de Oliveira, Afonso Paulins e Juarez que, ao organizar a antologia, fechava o volume.

Com o livro tive contato com poesias como "Cinema", "A Sucessão de São Pedro", "Predestinação", "Folha Verde", "Graff Zeppelin" e "Black-out" que me levaram a buscar nos cafundós de judas, qualquer edição dos livros publicados de Ascenso. Foi incensante porque não o conheci pessoalmente, vez que, como honra, apenas podia ser seu conterrâneo por ele haver nascido na rua dos Tocos, no dia 9 de maio de 1895, em Palmares e de ter morrido no dia 05 de maio de 1965, no Recife, quando eu contava apenas com cinco anos de idade.

Pois bem, em 81, o incansável poeta Juarez Correia lança pela Nordestal, o livro "Poemas de Ascenso Ferreira", reunindo seus livros "Catimbó", "Cana Caiana" e "Xenhenhém". Além dos poemas de Ascenso, estavam ali ensaios de, nada mais nada menos, que Manuel Bandeira, Sérgio Milliet, Mário de Andrade, Luís da Câmara Cascudo, Roger Bastide, um depoimento "Minha vida com Ascenso", da companheira dele Maria de Lourdes Medeiros e ilustrações de Gilvan Samico, Wellington Virgolino, Tereza Costa Rego, Abelardo da Hora, Bajado, Sílvia Pontual, Gl Vicente e muitos outros artistas plásticos pernambucanos de renome.

Ao folhear suas páginas, fiquei logo embevecido com as palavras de Manuel Bandeira: "os poemas de Ascenso são verdadeiras rapsódias do Nordeste, nas quais se espelha moravelmente a alma ora brincalhona, ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos e do sertão". E o Sérgio Milliet declarando que a contribuição de Ascenso para o modernismo brasileiro era "das mais originais".

Não menor a satisfação ao ler as palavras de Mário de Andrade: "(...) depois que as personalidades dos iniciadores se fixaram, só mesmo Ascenso Ferreira trouxe pro modernismo uma originalidade real, um ritmo verdadeiramente novo. Esse é o mérito principal dele a meu ver, um mérito inestimável".

E Luís da Câmara Cascudo sentenciou: "... e não há quem o ouça para não sentir o encanto irresistível duma poesia estranha e doce, bravia e sincera, cheia de vitalidade e de força evocadora. (...) Ascenso Ferreira, Ascensão... guardem o nome de um grande poeta!" E Roger Bastide arrematando: "... uma beleza que merecia ter seu poeta, e este poeta é Ascenso Ferreira".

A companheira Lourdes, que conheci anos depois, viu primeiro o poeta. E tomou com ele uma cerveja preta depois duma queda assustada com aquele volumão de gente. Ela adolescente, ele cinquentão. Desse encontro veio Maria Luiza, iluminando o casal.

Em 1985, portanto, a Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho, de Palmares, sua terra natal, em convênio com a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, publicou um outro livro com o título do mais célebre de seus poemas parnasianos, na afirmação de Luíz da Câmara Cascudo, "Eu voltarei ao sol da primavera", uma pesquisa organizada pela professora Jessiva Sabino de Oliveira, então diretora da Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, também de Palmares, resultado de 10 anos de estudos nos arquivos do jornal "A Notícia", onde Ascenso adolescente rimava parnaseano.

Nesse ínterim, Alceu Valença musica dois poemas seus, "O trem das Alagoas" e "Oropa, França e Bahia", duas belas páginas do cancioneiro nordestino.

Nunca que poderia esquecer desse grande poeta, que um dia, segundo relato da própria Lourdes, chegando em casa em época natalina, viu a ornamentação da sala e saiu destruindo tudo. Um espanto, porque aquele homenzarrão era de uma ternura singular. Depois da revolta, trancou-se no quarto. Horas mais tarde, saiu carinhosamente procurando por Maria Luiza com um poema entitulado "A Festa": "Minha filhinha, Papai Noel! É uma figura tragicômica! Não se iluda com os seus enredos! Pois que no meio dos seus brinquedos! Virá um dia a bomba atômica!". Salve, Ascenso!

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