terça-feira, 3 de novembro de 2009

A EMOÇÃO EM GRACILIANO RAMOS


Douglas Menezes

Volto a refletir, um pouco, sobre Literatura. Agora, lembrando um aspecto do escritor Graciliano Ramos, que acredito ser um equívoco e, ao mesmo tempo, uma visão pouco profunda de sua obra: a suposta falta de emoção nos textos do autor alagoano,citado,muitas das vezes,como um artista frio,insensível , observador impassível da realidade , além da já consagrada incessante busca da palavra essencial colocada em cada frase. Nada falta, nada sobra em Graciliano.

Isto lá é verdade. Sua linguagem é enxuta, concisa, objetiva. Objetividade intencional, artística, recordando o genial e elegante Machado de Assis. A obra do escritor das Alagoas traz-nos, com certeza, a concepção literária de um realismo social e psicológico pouco encontrado na Literatura Brasileira. No entanto, esse racionalismo não tem nada de apenas documental, pois se assim fosse, seria ciência, jornalismo, nunca uma expressão de arte.

Vimos que emoção contida, não é ausência dela. Nem sempre o emotivo apresenta-se expresso em textos ornamentados, vertendo lágrimas que empobrecem o fazer literário. A emotividade em Graciliano Ramos está em seu profundo humanismo, quando o homem é analisado cheio de contradições , mergulhado no seu próprio egoísmo e fraquezas. Mas, sempre, ao final, redimido pela tomada de consciência de que é um ser falho.

Um de seus personagens é emblemático: Paulo Honório, do romance São Bernardo. Fazendeiro inescrupuloso, violento, opressor, chegando a levar a esposa ao suicídio, reconhece, ao ver-se sozinho , após a morte da mulher, ter tido uma vida de ambição inútil, já que nem amizade tinha ao filho pequeno, numa lição de humanidade e de redenção. Paulo Honório desnuda-se da visão meramente material da existência. Entende, já bem maduro, que viver não é só juntar coisas, até sucumbir diante do excesso de materialidade. Só um insensível não vê emoção nisto. A solidão, a incomunicabilidade da personagem, seu arrependimento comovente e a noção de que tudo acabou , tudo evidencia a mostra de um ser totalmente envolto na emoção. A própria situação de caos nos remete à visão futurista de que, mesmo na década de quarenta do século passado,o homem iniciava um processo de desintegração mental, palpável na vida pós-moderna. É total emoção compararmos os psicopatas de hoje com algumas criações de Graciliano Ramos, como Luís da Silva, de Angústia e o já citado Paulo Honório,de São Bernardo. Além disso, seus perfis femininos vão de uma sensível Madalena, a uma vulgar e interesseira Marina. Esta última, desintegrando o comportamento do personagem Luís da Silva, levando-o ao desespero , tornando-o o assassino do rival. Onde então a propalada frieza do mestre Alagoano?

Graciliano produziu dois grandes romances de cunho psicológico, Angústia e São Bernardo, sendo impossível este gênero não carregar , em seu bojo, uma considerável carga de emoção. O final do livro São Bernardo confirma isso. O anti-herói solitário nos provoca solidariedade para com o seu drama. Põe-nos ao seu lado, fazendo com que tenhamos em relação ao personagem, antes egoísta e mesquinho,um sentimento de pura compaixão,como se aquele homem estivesse totalmente purgado, longe dos pecados do mundo:” Lá fora uma treva dos diabos, um grande silêncio. Entretanto o luar entra por uma janela fechada e o nordeste furioso espalha folhas secas no chão. É horrível! Se aparecesse alguém... Estão todos dormindo.

Se ao menos a criança chorasse. Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria!

Casimiro Lopes está dormindo. Marciano está dormindo. Patifes!

E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até que, morto de fadiga encoste a cabeça à mesa e descanse uns minutos”. Isto é,sobretudo, na essência da palavra o que chamamos emoção. Marca do sensível e grande escritor essencial das nossas letras, Graciliano Ramos .

*Douglas Menezes é professor, escritor e membro da Academia Cabense de Letras

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