terça-feira, 6 de julho de 2010

JOSÉ SARAMAGO, A CONSISTÊNCIA DOS SONHOS



Antonio Campos*

Tive a oportunidade de ver no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista, há dois anos, a exposição José Saramago: a consistência dos sonhos. A mostra, que também foi exibida em países como Espanha e Portugal, reuniu cerca de 500 documentos originais do escritor apresentados através de recursos digitais e audiovisuais. Organizada pelo diretor da Fundação César Manrique, Fernando Gómez Aguilera, o evento contou com obras inéditas, traduções, manuscritos, notas, primeiras edições, fotografias pessoais e vídeos. Foi uma forma de comemorar os 85 anos bem vividos de Saramago. Uma bela exposição.

No último dia 18 de junho, uma nota publicada pela Fundação José Saramago anunciou que o escritor português homenageado pela instituição morreu aos 87 anos. O intelectual faleceu por conta da leucemia que enfrentava há vários anos. No momento de sua morte, o autor de "Ensaio sobre a cegueira" estava em casa junto da família no arquipélago espanhol Lanzarote onde vivia desde 2003.

Conheci Saramago na minha adolescência, durante o segundo governo de Miguel Arraes em Pernambuco. O escritor era um dos integrantes da comitiva do presidente de Portugal na época, Mário Soares. Na ocasião, lembro-me que meu pai, o escritor Maximiano Campos, conversou longamente com Saramago e que Arraes - meu avô - foi presenteado por Mário Soares com uma litografia do pintor português Julio Pomar com a imagem de Fernando Pessoa. Litogravura essa que também foi dada à José Saramago, que a expunha em sua casa. Hoje, guardo carinhosamente o quadro que herdei do meu avô lembrando dele, de Fernando Pessoa, de Saramago e de nossa ancestralidade ibérica.

O vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1998 ficou conhecido pelas obras "Memorial do convento", "O evangelho segundo Jesus Cristo” e "O ano da morte de Ricardo Reis", livro através do qual conheceu sua segunda esposa: a jornalista e tradutora espanhola Pilar del Rio que passou a se interessar pela obra de Saramago a partir da leitura do romance traduzido para espanhol “La muerte de Ricardo Reis”. Ao terminar de ler o livro, a jornalista se sentiu extremamente emocionada e “chorou compulsivamente”. Foi então que ela resolveu procurar o escritor para agradecer o livro e a emoção que sentira ao lê-lo. Nasceu assim uma relação de amizade, que aos poucos deu lugar a uma relação sedimentada e em 1988 se tornou um casamento construído com a mais intensa cumplicidade. Foi uma grande história de amor.

No dia em que o falecimento do português completou sete dias, a escritora e atual diretora da Casa Fernando Pessoa, Inês Pedrosa, que esteve na edição da Fliporto 2009, juntamente com a viúva do literato criaram um evento que marcou a morte do autor. Através da leitura coletiva do clássico O ano da morte de Ricardo Reis, centenas de pessoas puderam recordar Saramago. O mundo ficou um pouco mais cego e triste com a morte de Saramago. Contudo, a consistência de seus sonhos por um mundo mais livre e justo permanecerá.

ANTONIO CAMPOS e Advogado e Escritorr

Fonte: Território da Palavra.

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