quarta-feira, 7 de julho de 2010

Carta a Dr. Ulysses



Roberto Menezes*

Dr. Ulysses:
Essa carta é tão absurda quanto a sua morte, há 17 anos atrás. Fiz a sua campanha presidencial. Lembro-me das imagens que via na ilha de edição: o senhor estava sempre cercado por crianças, que lhe faziam agrado e lhe beijavam. E o senhor falava isso para todos nós. E sempre alguém lhe dizia, procurando cortar sua alegria com a infância: "Criança Não Vota".

Tanto era sua alegria com os pequeninos que o senhor achou de morrer no dia 12 de outubro, Dia da Criança. E mais simbólico ainda: o senhor que sumiu nas águas para sempre, achou também de morrer no dia de Nossa Senhora Aparecida, a imagem negra que apareceu nas águas aos pescadores. E outro significado tão forte quanto os que citei: Nossa Senhora Aparecida é a Padroeira do Brasil, o país que sempre teve a sua presença, Dr.Ulysses, nos momentos mais dramáticos, sempre ao lado do povo brasileiro. Na época de sua campanha eu liguei de Brasília para o jornalista Ricardo Carvalho, no Recife, dizendo que essa armação da TV Globo para eleger Collor, só um candidato com a estatura moral e cívica de Ulysses Guimarães é que poderia desarmar. Só a eleição do Dr. Ulysses. Mas o Dr. Ulysses estava enfraquecido demais. O povo, imbecilizado, preferia o herói de camisa aberta ao peito junto de sua Barbie. Ricardo Carvalho, com a experiência de jornalista e peemedebista histórico, sem nunca misturar as duas coisas, concordou comigo.

Hoje o Brasil é outro. Aparentemente, moderno, sólido na economia e com direitos sociais assegurados. Mas piorou muito no tecido social e na política. No tecido social, assistimos a uma guerra civil aberta entre os que nada têm e os que consomem tudo que podem comprar. Na política, porque as Repúblicas de Alagoas e do Maranhão se uniram para ditar suas regras, como sempre contra o povão. Collor, aquele mesmo que chamava Sarney de corrupto e Lula de ignorante, agora se dá ao direito de atacar um homem íntegro como Pedro Simon em defesa de Lula e de Sarney.

E o povo, onde está o povo? Seria a sua pergunta, Dr. Ulysses. O povo está querendo celular de última geração, tem barraco de favela que tem TV de plasma, e quando o dinheiro do Bolsa Família não dá para pagar todos os cartões de crédito adquiridos, vai assaltar nas esquinas, fazer arrastões, entrar como boi de piranha do tráfico de drogas. Tudo isso estimulado pelos novos ares de consumo. A fome não foi zerada. Ano passado, o Diário de Pernambuco mostrou, em excelente série, as crianças desnutridas dos cafundós do Nordeste. Parecia Biafra. Falta de comida, mesmo. Crianças (várias) com quase cinco anos e que não andavam de fraqueza, de desnutrição. A fome do povo não zerou. A politização do povo, sim. A mídia, vendida como sempre, cuida de criar o consenso. Instila nas massas um voluntariado imbecil e uma idolatria política sem nenhuma consciência crítica. Até no Dia do Trabalho, este ano, a TV Globo destacou desempregados mostrando a carteira para a imagem de uma santa numa procissão no ABC paulista, onde antes os operários protestavam e faziam greve contra o desemprego e os baixos salários. Agora, se espera milagre de santo. E em seguida, a TV Globo mostra reportagens sobre o Dia do Trabalho nos outros países: protestos, polícia metendo o cacete, manifestantes revidando, contra a crise e o desemprego e os baixos salários. Como um aviso aos brasileiros: aqui é o homem cordial, pacífico até no desemprego, e com muita fé. Lá fora, é o inferno dos eternos agitadores e terroristas.

Dr. Ulysses, no Brasil "desse povo que canta e é feliz", o suborno para conseguir o voto popular virou oficial. A enganação é a teoria que move o governo, que contrata até o papa dos twisters e blogs da campanha de presidente norte-americano Barack Obama para a campanha do PT. Aliás, PT, saudações.
Simpatizo, e disse publicamente nesse site, com a candidatura de Marina Silva, uma mulher extraordinária, pessoa simples, que veio do povo e o conhece bem. O problema é que o PV, o Partido Verde, o partido de Marina, tem logo de cara um Zequinha Sarney. E eu temo que o jeito manso, mas inteligente, da fala daquela morena, seja abafado pelo rolo compressor oficial, cheio de vozes possantes e olhares fulminantes (como o olhar de Collor contra Pedro Simon). Eu até escrevi um texto que o senhor desaprovaria, porque pornográfico. Escrevi um dia depois em que vi um Pedro Simon acuado e com medo do olhar da serpente. Esse texto mandei para algumas pessoas, refiz ele até tirando certas alusões que poderiam confundir, mas ele ficou pesado pra ser publicado. Baseei-me na História do Olho, de Georges Bataille. Mandei pro editor do site conhecer somente, lembrando que um texto desse não se publica. Mandei também pra algumas pessoas experientes, poupando os mais jovens. Agora, eu estou mandando para o senhor. Ele não será publicado, mas a moçada que não conheceu esse texto, vai conhecer. Ah, vai sim. É meu último desejo, como dizia Noel Rosa.
Dr. Ulysses, às vezes eu penso que a Dilma Roussef poderia ser uma solução. Autoritária e convencida de que o Brasil precisa se armar para defender suas riquezas (o Exército nem comida têm para os recrutas, os militares até hoje que não sabem que deram um golpe contra eles mesmos em 1964 para atender aos interesses dos Estados Unidos). Então a Dilma pensa em usinas atômicas, mísseis, aviões de combate, o contrário da ecologista Marina. Talvez até fosse bom uma usina atômica em cada beira de grande rio, como o Amazonas e o São Francisco, para nos garantir energia. E a fabricação da bomba atômica. O Brasil parece que está precisando mesmo de uma guerra, Dr. Ulysses, com o povão em pânico vendo o seu próprio despertar. Porque perdemos todas até agora: a Revolta dos Alfaiates, A Revolta dos Muçulmanos na Bahia e Alagoas, a Guerra de Canudos, a do Contestado, a Revolta de Pau de Colher, a do Araguaia. Uma guerra faria verter o sangue dos inocentes sobre essa "pátria mãe gentil", mas, também cortaria de vez os pescoços dos que formam o grande abscesso, que tem um olho por onde o pus não sai. Pelo contrário, engorda o abscesso: o olho de Collor. Cortaria o pescoço até dos que engordaram tanto com a roubalheira que nem mais pescoço tem. Só barriga. Então que se tirem as tripas deles.

O senhor, Dr.Ulysses, era um homem conciliador, mas altivo e guerreiro. Ouço o senhor dizer que não devo mandar a História do Olho para as novas gerações. Iria chocá-los ou gerar pessimismo. Mas a moçada vai entender: nos tempos de hoje se entende de bunda melhor do que no seu tempo.

Fique peixe, Dr.Ulysses.
O senhor leia onde estiver. E saiba de coração, que o senhor faz uma falta danada no Brasil de hoje.

Cordialmente
Roberto Menezes

*Roberto Menezes é Jornalista

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