terça-feira, 1 de junho de 2010

UMBERTO ECO: O FIM DOS LIVROS?




UMBERTO ECO: O FIM DOS LIVROS?

Antônio Campos

A obra Não contem com o fim dos livros, escrita pelo italiano Umberto Eco, foi lançada no Brasil em maio e faz uma análise da existência do livro na atualidade. A ideia da morte da literatura clássica e o pretenso fim dos livros são duas das maiores obsessões de Umberto Eco. Esses temas transformaram-se em livro a partir de uma parceria com o ensaísta francês Jean-Claude Carrière e organização do jornalista Jean-Philippe de Tonnac.

Escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo, Eco é um estudioso das falhas humanas. Fascinado pela má-fé e pela estupidez, o italiano acredita que o erro sempre aponta para algo que não devemos esquecer para ressaltar a verdade. Para ele existem apenas duas diretrizes no cenário literário: ou o livro permanecerá sendo o suporte da leitura, ou existirá alguma coisa similar, que não fará o mesmo perder seu valor original.

As variações em torno do livro enquanto objeto não modificam sua função, nem sua construção gramatical. O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados. Não é possível que uma colher seja melhor que outra. Segundo Eco, quando imaginamos ter ingressado na civilização das imagens, surgiu o computador, que nos reintroduziu na galáxia de Gutenberg, na era alfabética. Com o advento das novas tecnologias, todos se viram predestinados a ler de uma maneira nova.

Na obra recém-lançada Carrière e Eco dizem estar mais preocupados com a extinção do presente do que com a suposta ameaça ao livro, pois acreditam que nós vivemos espremidos entre uma obsessão pelo futuro e um passado que nos alcança a toda velocidade.

Ao proferir uma palestra na atual Biblioteca de Alexandria, Umberto Eco já defendia, desde 2002, que a expansão da Internet não ameaça a existência dos livros. O escritor italiano falou sobre os três possíveis tipos de memória: orgânica, mineral e vegetal. A orgânica é feita de carne e sangue e é administrada pelo nosso cérebro. A Memória mineral era, há milênios representada por tijolos de argila e por obeliscos, onde as pessoas entalhavam seus textos. Porém esse segundo tipo é também a memória eletrônica dos computadores de hoje, cuja base é o silício. O terceiro e último tipo de memória é a vegetal, representada pelos primeiros papiros e posteriormente pelos livros feitos de papel.

O filósofo acredita que a Biblioteca foi, no passado, e será, no futuro, dedicada à conservação de livros e que, portanto, é e será um templo da memória vegetal. As bibliotecas, ao longo dos séculos, têm sido o meio mais importante de conservar o nosso saber coletivo. “Uma biblioteca é a melhor imitação possível, por meios humanos, de uma mente divina, onde o universo inteiro é visto e compreendido ao mesmo tempo”, afirmou o grande pensador italiano.

No referido livro, Carrière fez um importante questionamento em relação ao valor que o presente deveria ter para o cotidiano das pessoas. “Onde enfiaram o presente? O maravilhoso momento que estamos vivendo e que diversos conspiradores tentam nos roubar?”. Com o excesso de informação da web em um mundo acelerado e entulhado, impõe-se a necessidade de uma espécie de edição do presente e o livro impresso é um grande parceiro nessa construção.

Eco e Carrière afirmam que é falsa a premissa de que o livro está com os dias contados. Não podemos usar um computador sem saber ler e escrever. A escrita é “um prolongamento da mão e, nesse sentido, é quase biológica”, afirmou o escritor italiano. No prefácio, o jornalista Jean-Philippe de Tonnac diz que “a cultura é muito precisamente o que resta quando tudo foi esquecido” e que o livro é a memória desse grande resto que nos constitui. O debate de Carrière e Eco com a mediação de Jean-Philippe de Tonnac é uma importante obra sobre o livro e o mundo contemporâneo.

Antônio Campos é Escritor e Advogado

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