terça-feira, 29 de junho de 2010

UMA ELEIÇÃO MEMORÁVEL


Douglas Menezes*

Corria o ano de 1972. Anos de chumbo aqueles daquela década. Tortura, mortes e medo, muito medo. Ser oposição ao regime militar era tarefa para fortes, para as pessoas que possuíam, acima de tudo, uma consciência democrática e capacidade de doação acima de suas conveniências pessoais. Aquelas que são úteis e imprescindíveis porque lutam a vida inteira. São os que sacrificaram a própria vida para que hoje respiremos os ares democráticos da ainda incipiente democracia brasileira.

Pois bem. Naquele ano, haveria eleição para prefeito. Forma que a ditadura encontrou para dar um feitio democrático ao regime de exceção, já que não havia pleito nem para governador, presidente ou governante das capitais. E a cidade do Cabo de Santo Agostinho era uma das mais visadas pela sua importância econômica e, sobretudo, por sua politização e pelo fato representar um dos centros da resistência democrática. Uma cidade em que o governo não admitia sair derrotado.

Já naquela época, o instituto da sublegenda funcionava a todo vapor. Instrumento criado para dificultar o avanço da oposição ao regime, consistia na soma de votos de um partido que poderia eleger um candidato mesmo sendo ele o menos votado. Com isso, o governo lançou, na eleição do Cabo, dois candidatos: José Feliciano de Barros e Vicente Mendes Filho, pela Arena, partido governista; enquanto a oposição ia de Lúcio Monteiro e José Ribeiro de Jesus.

Sem dinheiro, usando um fusca velho e um banquinho para fazer discurso, Lúcio Monteiro conseguiu empolgar o povo, desbravando o caminho para a renovação política do Cabo, além de um aspecto importante: o apelo à conscientização política, abrindo espaço para que o poder econômico influísse menos na eleição. Uma campanha memorável. Lúcio teve mais de cinco mil votos, ganhou do segundo colocado com uma diferença de quase mil e quinhentos votos mas perdeu, porque a soma dos dois candidatos da Arena suplantou sua votação. No entanto, a lição ficou. Uma década depois, um político de esquerda ganhava as eleições no Cabo: Elias Gomes iniciava uma nova era na política cabense.

Os cabenses um pouco mais velhos não podem esquecer esse fato histórico. Após o resultado das urnas, Lúcio foi carregado pelas ruas da cidade, nos braços do povo, que gritava seu nome. Há derrotas que de tão emblemáticas parecem vitórias, pelo seu sentido épico, por representarem a possibilidade real de mudança e a chegada de um futuro melhor para as pessoas. Isto aconteceu e eu vi.
Cabo, 28 de junho de 2010.

*Douglas Menezes é membro da Academia Cabense de Letras.

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