quarta-feira, 2 de junho de 2010

CHEGA DE SAUDADE


DOUGLAS MENEZES

Tenho pra mim que o termo saudade será banido dos dicionários mais modernos. Os tempos de hoje não permitem a vivificação do passado. Os jovens se envergonham de lembrar o ontem. Ou algo que se distanciou no tempo. É como se a vida só contasse a partir do agora. Talvez até o vocábulo” hoje” seja eliminado, dando lugar ao "amanhã“ como forma de indicar o presente. Pois vivemos o momento em que perenidade e eterno passaram a ser adjetivos puramente descartáveis. O invento mais recente já se tornou obsoleto dias depois. Sim, dias depois. A era de informática não permite longevidade..

Se o tempo não pára, como diz o poeta (graças a Deus ainda existe poeta), lamentamos o fato de que as novas gerações se orgulhem da ausência de lembranças que irriguem o presente. Viver de novo. Achar que valeu a pena momentos idos e vividos, mesmo aqueles não muito agradáveis. Mesmo os dolorosos que traumatizam e nos fazem sofrer de novo, mas que dão experiência e calo emocional para o presente e futuro.E aí, não são apenas as frustrações que se impõem. Pois temos, com certeza, marcas cujo sentido faz com que a existência não seja em vão. Lembra bem o poeta Caetano Veloso: avancemos, sem esquecer a tradição.

O saudosismo, claro, não deve guiar os passos da humanidade. É ruim, também, aferrar-se ao pretérito, demonstrando inércia e atraso. A roda da vida continua a girar. Mas é bom pensar no que já foi. Alivia um pouco a dureza do cotidiano.

Rodando, então, em sentido contrário . O girar do tempo: o primeiro beijo, o rubor na face da timidez em excesso. A deslumbrada visão da mulher nua pela primeira vez, o toque , e o estremecimento de um pecado maior. A bola de couro: um presente de ouro. A rua das brincadeiras sem fim: barra bandeira, quatro cantos, mocinho e bandido. As peladas intermináveis no quintal. O medo da surra e das doenças do mundo. Dissecar cada coisa dessa é recriar um mundo. Triste do homem que não tem nada pra contar. Sua história só vale se ele tiver história.

Então, meio triste, com pena até dos nascidos hoje, que vêem a vida como tão-somente um momento. Meio triste, sinto saudade. Saudade de ter saudade.


*Douglas Menezes é membro da Academia Cabense de Letras



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