terça-feira, 15 de junho de 2010

E BETÂNIA ESCOLHEU O MELHOR



Antonino Oliveira Júnior*

Era uma vida de agonia. Nem sei se o pobre do Zé Carlos podia chamar aquilo de casamento, de vida em família. Eram só os três: ele, Valéria e a pequenina Betânia, uma pureza de menina gerada nos raros momentos de harmonia entre eles. O dia de força e de muito suor desprendidos no trabalho deveria ser compensado por uma boa acolhida no retorno ao lar. Mas que compensação que nada! Em casa a vida se torna um inferno, de tanta reclamação de Valéria.

-Falta as coisas dentro de casa e você ainda chega com fedor de bebida!!!

Por mais que ele tente argumentar, as coisas pioram. Sábado passado largou de meio-dia e saiu prá tomar uma com os colegas e em vez dos 250 reais da quinzena, só chegou com duzentos. Entrou no racha, né? Tinha que ser, porque todo mundo da turma é pobre feito ele. E tome reclamação, tome esculhambação...e quando ele queria argumentar, vinha forte da boca de Valéria: PALHAÇO! Você não passa de um palhaço...

A raiva subiu à cabeça, mas a decepção era ainda maior. Só restou pegar a mãozinha macia de Betânia e sair com ela a passear. Chegou no meio da rua e ainda deu tempo de ouvir, mais uma vez, o sonoro “PALHAÇO”, repetido inúmeras vezes, ante os olhos assustados da pequena Betânia, sua filha amada.

Era quase quatro da tarde e eles saíram sem rumo, até encontrarem o pequeno circo na beira da estrada. Era o chamado “pano-de-Roda”, como é conhecido aquele circo que não tem cobertura. Ingresso barato, Zé Carlos e Betânia logo tomaram assento na perigosa arquibancada, também conhecida como “poleiro”.

O Cospe-fogo, o equilibrista, o homem que atirava facas na mulher encostada na tábua, a dançarina de barriga pendurada e a saia bem curta, aparecendo a calcinha (um desastre). Mas tinha o Fedegoso, um palhaço de fazer rir até defunto. Porque circo mambembe é assim mesmo, pode nada prestar, mas o palhaço é sempre muito bom. Foram quase duas horas de muita risada e muita gritaria da platéia, na maioria das vezes, vaiando. E Betânia se acabando de sorrir, sentada em seu colo, vez em quando apertando a sua barriga num abraço. Saiu até um saco de pipoca e um pirulito para ela, era o que dava para ele comprar.

Na volta prá casa, Betânia em seus braços, dormindo, ele cansado, pensando em quantas vezes ainda escutaria Valéria chamar-lhe de palhaço. Mais de dois quilômetros com o peso duplicado de sua pequena Betânia, criaturinha de apenas cinco anos de idade. Uma vez em casa, não deu outra:

-Fosse prá onde com a menina, que passou da hora da bichinhaa tomar café? Tu só pensa em tu, né, palhaço?

Quase não dava prá segurar, mas, ficou calado e foi no quarto, colocar a sua Betânia na cama. E o fez com zelo, carinho e ternura. Ao dar as costas para sair do pequeno quarto, ouviu a doce voz de Betânia a chamá-lo:

-Painho, eu gostei muito do circo. Mas o que eu mais gostei mesmo foi do palhaço...

Voltou-se, beijou-lhe a testa e deu um leve sorriso para ela, acompanhado de um “boa noite”. Lá fora, nem ligou mais para os gritos de Valéria a chamá-lo de palhaço.

Afinal, Betânia já tinha feito sua escolha...


*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras.

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