sexta-feira, 21 de maio de 2010

O PODER DA LEITURA



SENTI A POESIA DA VIDA. CONHECI O MUNDO SEM VIAJAR.
Douglas Menezes*

Tinha só doze anos, mas deslumbrei-me ao folhear as páginas de Menino de Engenho. O livro do paraibano José Lins fêz-me sentir o cheiro doce dos canaviais de minha cidade. Mais ainda, redescobri uma paisagem que conhecia, nas casas grandes, nos engenhos e banguês e até na pequena cidade parecida com o Cabo. Era o poder mágico da leitura, o poder de voar quilômetros, sem sair do lugar. O livro invadindo, para não mais sair, todo o meu ser. O menino tímido e raquítico, com marcas de feridas na perna, identificou-se com o garoto Carlos, personagem principal do romance.

Não parei de viajar nunca mais. Na Biblioteca acanhada da rua da Matriz, com a paciente bibliotecária professora Gercina, um mundo foi aberto àquela criança. Não parei mais de conhecer e descobrir a poesia da vida através dos livros. E que aventuras. Que lugares longíquos. Visitei a Catedral de Notredame, sem nunca ter ido à FRança. A Geografia da Terra, com povos e climas diferentes, enchia-me de encantamento, como gota de orvalho, como moça pensando à janela, esperando o amor a chegar. Na leitura, o menino moldava a sensibilidade. Hoje criança não lê. Não conhece livro.

Depois do obrigatório banho das quatro, o recolhimento, o devaneio. A alegria de encontrar Robinson Crusué e sua ilha, de participar da Viagens de Gulliver, da caçada à baleia Moby Dick. Lia oa autores da província, meu mundo palpável, dali de perto. Devorava, também, os clássicos, fazia-me universal. Ler, ler sempre. Saber de uma existência existente, longe de meu pequeno universo. Conhecer um mundo, sem conhecê-lo, na solidão mais solidária que possa existir. Planetas que não se avistam. Costumes de povos que não conheceria jamais. A vontade de viajar noutro corpo. A mulher descoberta, o desejo de não mais fazer sozinho. Tudo isso os livros me trouxeram.

Menino agora não lê mais. O computador substitui a fantasia de passar, lentamente, as páginas das edições, muitas vezes amareladas sob a ação do tempo.

A internet põe o mundo a nossos pés. Mas não nos faz sonhar. Os meninos não sonham mais, apenas passam de crianças a adultos, muitas vezes embrutecidos por uma visão demasiada concreta. Pais reclamam, professores protestam. A leitura deixou de ser algo prazeroso, é, tão somente, uma tarefa escolar a mais.

Nas estantes, o mofo, as traças denunciam. Agora, nos livros fechados, os personagens, prisioneiros da inércia e do mundo mecanizado, deixam, eterna e finalmente, de dar vida à vida.

(Para Mário Deodato, um saudoso do bom passado.)

*Douglas Mnezes é membro da Academia Cabense de Letras

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