terça-feira, 27 de abril de 2010

TODAS AS DORES DA VIDA



CRÔNICA: DOUGLAS MENEZES

Reli, outro dia, um texto do jornalista Cláudio Abramo, intitulado Inventário da Infância Perdida, onde o autor expõe a decadência e a amargura por que passa o ser humano a partir dos quarenta anos. Publicada há cerca de quinze anos, essa crônica nos traz uma preocupação que, na verdade, se torna fonte de angústia, ao longo da existência.

Ousei , em sala de aula, trabalhar o escrito citado. Senti, entretanto, não haver empatia por parte dos alunos, adolescentes com outras preocupações. Uma aluna questionou: “Que texto depressivo!”. Peixe fora d’água eu estava. Filosofia vã em plena era digital. Mas resolvi comentar aqui o porquê do autor ser tão pessimista, tão desconstrutivo no tocante à maturidade e à velhice. E fiquei a pensar: realmente, em parte, o autor tem razão quando questiona a visão romântica de que a infância é um doce paraíso de pureza e sonho. Consagrados autores brasileiros desconstruíram a concepção idílica da primeira idade. A aurora da vida foi para Sérgio de O Ateneu uma dolorosa experiência de descobertas nocivas: a constatação da hipocrisia, da falsidade, da ganância e apenas o domínio da aparência sobre a essência. O grande mago Machado de Assis já observava isso: a total descrença no ser humano. José Lins do Rego, no Romance Doidinho, realiza uma Intertextualidade com o livro de Raul Pompéia, analisa e desmistifica essa infância cheia de luz e amor. Não-raro , o sonho de um futuro promissor , o quando crescer vou ser isto ou aquilo, torna-se uma sucessão de mediocridades e de vida comum. Afinal, não são muitos os famosos do mundo. Não caberia fama, prestígio a todas as crianças sonhadoras. A existência, então, impõe-se como algo que se aproxima mais do personagem da música de Raul Seixas às avessas: a gente se senta num trono de apartamento esperando a morte chegar. E, mais das vezes, a busca pelos aspectos místicos, por algum tipo de religião, transforma-se, aí sim, num bálsamo, num alento , numa espécie de redenção de fim de vida. Na verdade, diante das frustrações óbvias, as pessoas se enganam, talvez, com qualquer consolo, desde que esse algo dê tranqüilidade e coloque a ilusão de que valeu a pena.

Todavia, dói saber que ter o a carro do ano, morar na zona sul do Recife, ou aposentar-se com proventos maiores, isto não foi o bastante. Ou tenha sido tão-somente uma fuga, uma satisfação por não ter conseguido dar um maior sentido à vida. E as conquistas materiais alimentam um discurso já não suficiente.
Por isso, o texto de Cláudio Abramo é pedagógico e, embora amargo, encerra a concepção de que somos nada ou talvez tudo, dependendo de como encaramos as dificuldades da existência. Mostra-nos, inclusive, o falso conceito de que a maturidade traz equilíbrio e sensação de dever cumprido. O vulcão jogando labaredas imensas. Apenas não é visto. Só o sofrido cristão sabe. Então, essa pretensa felicidade é mais uma utopia humana, que jogamos para os filhos e netos. Se dói ou não, alguém ou muitos pensam assim. E, por certo, não estão totalmente sem razão. Há suicidas que dedicaram a vida a vender felicidade aos outros, em livros e palestras, indicando a fórmula de ser feliz.

Mas, enfim, você , leitor,pode perguntar: E você? Eu vejo tudo com um misto de otimismo velado e um pessimismo calcado no que a realidade nos mostra. Deixando sempre uma ponta futurista que acredita num mundo melhor.

Mas talvez ainda a pergunta que não quer calar. E você? Eu...eu, por enquanto escrevo pela madrugada. Escrevo para não morrer.

*Douglas Menezes é membro da Academia Cabense de Letras

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