segunda-feira, 26 de abril de 2010

O LEGADO DA LIVRO 7



Edições Pirata - 1º Lançamento – Livraria Livro 7 – Agosto de 1979
Da esquerda para a direita, em pé: Alberto da Cunha Melo, Marcos Cordeiro,
José Mário Rodrigues, Celina de Holanda, Roberto Aguiar, Luiz Pessoa,
Tarcísio Pereira, José Albino, Jaci Bezerra e Almir Castro Barros. Sentados:
Camilo, Montez Magno, Sérgio Bernardo e Domingos Alexandre.

A Livro 7 e a Geração 65

> por Marcos D'Morais




Eu, em nome da poesia nova,
Queimarei os retratos
Da Livro 7.


A Rua Sete de Setembro – artéria transversal da Avenida Conde da Boa Vista, no centro do Recife – tornou-se, nos anos 70 e 80, um pólo de referência para os artistas e intelectuais pernambucanos.

Próxima da Faculdade de Direito do Recife, do Parque 13 de Maio, do Cinema Veneza e do Teatro do Parque, era o destinatário certo, nos fins de tarde recifense, para os amantes das letras que “assinavam seu ponto” na Livro 7, a livraria marco de encontro das gerações literárias pernambucanas.

Mas, se a Livro 7 – pontificada nos anos 80 pelo Guinness Book, o livro dos recordes, como “a maior livraria do Brasil” – acolheu entre as suas estantes representantes das mais diversas gerações literárias pernambucanas, é sem dúvida com a Geração 65 que melhor pode ser identifica, a partir do paralelo traçado entre as suas actuações históricas.

O livreiro Tarcísio Pereira, não apenas está inserido na zona de datas dos poetas da geração, como literalmente abriu as portas de sua livraria aos seus coetâneos, para que nela pudessem lançar e vender seus livros, além de, e mais importante, encontrarem-se para discutir a poesia nossa de cada dia.

Se alguns lugares podem ser relacionados como espaços de convívio da geração 65, como os bares Pirata, Balcão, Calabouço, Torre de Londres e Savoy, a Livro 7 impõe-se, até mesmo porque é uma espécie de ícone da geração, sinal de força da literatura pernambucana, um património cultural recifense que, nos anos 90, não resistiu às pragmáticas leis do mercado e encerrou as suas actividades.

Entre o período de jovem funcionário da Livraria Imperatriz e aprendiz do livreiro Jacob Berentein até à instalação definitiva no espaçoso número 318 da Rua Sete de Setembro, há uma fase politicamente mais activa em que Tarcísio Pereira se manteve em oposição política face ao Regime Militar instaurado em 1964, sendo em sua, então, pequena livraria – inaugurada no dia 27 de 07 de 1970, na galeria Amaragi, em plena Sete de Setembro – uma espécie de anfitrião da esquerda pernambucana.

Para o jornalista Marcelo Pereira, foi no espaço da Rua Sete de Setembro que Tarcísio Pereira “guerrilheiro cultural, enfrentou os anos turvos da sombra da ditadura militar, transformando a Livro 7 numa trincheira da resistência intelectual e democrática na capital pernambucana”.1

Nesta atmosfera de combate à censura intelectual, a Livro 7 iniciar-se-ia no movimento cultural recifense. Desta primeira fase da livraria, recorda o livreiro Tarcísio Pereira:

Foi lá que Jarbas Vasconcelos, em 1971, lançou o seu livro sobre o trabalho na área da cana-de-açúcar. Nagib Jorge Neto lançou O Presidente de Esporas, que deu início ao Movimento Mediarte, com Ivan Maurício. As noites de autógrafos com Hermilo Borba Filho, os torneios de xadrez, as exibições de filmes em Super 8 de Celso Marconi, Fernando Spencer e Jomard Muniz de Brito, as performances de Paulo Bruscky, os recitais com José Mário Rodrigues, Roberto Pimentel e a actriz Clenira Bezerra de Melo lotavam a galeria do prédio, para desespero do síndico. Esse foi o início da Livro 7.2

A Livro 7 transcendeu a carismática figura de Tarcísio Pereira, a hegemonia de um bloco de esquerda, e tornou-se orgulho de todo o pernambucano. A “maior Livraria do Brasil”, segundo o Guinness Book, em extensão de prateleiras e quantidade de títulos (60 mil), passou a ser uma espécie de Academia Pernambucana de Letras, na qual ter o seu retrato acima das estantes significava um reconhecimento e uma certa imortalidade para a sociedade literária pernambucana. Não foram poucos os intelectuais, escritores e poetas que doaram os seus retratos para ali ficarem expostos: Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, César Leal, João Cabral de Melo Neto, além de representantes da nova geração literária que, nos anos oitenta, iniciavam o seu período de vigência, como Alberto da Cunha Melo e Marcus Accioly. Também não foram poucos os pretendentes preteridos, impedidos, assim, de terem os seus retratos ladeados pelas figuras cimeiras da literatura pernambucana.

Sobre a imponência da Livro 7, há citações famosas, como a do escritor Fernando Sabino, que recorreu a uma metáfora futebolística, e disse que a Livro 7 era o “Maracanã do Livro”3. O mestre Gilberto Freyre, orgulhoso, proclamava ser a Livro 7 “uma pan-livraria”4. A verdade é que, com os seus cavaletes e prateleiras de mais de 60 mil títulos, ocupando um espaço de 1.200 m2, em pleno coração recifense, a Livro 7 passou a ser, além da casa dos intelectuais pernambucanos, uma referência turística. Muitas pessoas entravam só para conhecê-la e deixar-se fotografar entre aquele grande acervo, com espaço cativo para os autores locais.

O seu período de expansão que se assinala a partir de 1978, aquando da mudança para o grande galpão do Sete de Setembro, com a proposta arrojada de ser a maior livraria pernambucana, é paralelo ao surgimento das Edições Pirata. Em verdade, a parceria entre a Livro 7 e as Edições Pirata marcaria um momento extraordinariamente democrático na literatura pernambucana. A mesma casa literária, onde autografaram os mais consagrados escritores pernambucanos como Gilberto Freyre e João Cabral de Melo Neto, abriria espaço para sessões de lançamentos colectivos com escritores inéditos.

Aquando do seminário comemorativo dos trinta anos da geração 65, Tarcísio Pereira, que também comemorava trinta anos de livreiro – sendo cinco na Livraria Imperatriz e vinte e cinco na Livro 7, tendo assim encontrado à sua frente os mesmos problemas históricos e sociais que os escritores da Geração 65 – mencionava como a livraria funcionava como ponto de convívio deste grupo, bem como a sua relação fraterna com os seus membros.

A Livro 7 sempre foi um ponto de reunião da geração. Recordo que logo depois do lançamento de Quíntuplo, quase que simultaneamente nós nos reunimos num restaurante perto da livraria e escrevíamos, à mão, um jornal interessante e originalíssimo chamado Punho. Era um jornal escrito em estêncil a álcool, com poemas de Jaci Bezerra, Alberto da Cunha Melo, Marcus Accioly e ilustrações, entre outros, de João Câmara, Marcos Cordeiro, Ivan Maurício, Abraão Chogorosvski que, infelizmente, não está por aqui. Assim que terminava de ser escrito no restaurante, vizinho à livraria, eu levava as matrizes, imprimia e o jornal começava a circular. Salvo engano, foram publicados três ou quatro números do jornal. Era, de fato, um jornal interessantíssimo: você tinha a cada semana novos poemas e novas ilustrações. Tudo feito na hora e em torno da Livro 7.5

Tarcísio lembra de que a Livro 7 funcionava como uma espécie de anexo da redacção do Jornal do Comércio, no tempo em que o caderno literário estava sob a coordenação dos poetas Audálio Alves e Alberto da Cunha Melo. Era para a livraria que os muitos poetas levavam os seus textos, para o Alberto da Cunha Melo publicar, pois sabiam da sua presença diária na livraria.

Em torno da Livro 7, cresceu mais uma geração pernambucana, com os seus escritores, músicos, artistas plásticos e cineastas. As suas sessões de música, de cinema e de artes traziam interessados em obras que certamente não seriam encontradas em outros lugares. E tudo ficava à mostra, acessível, com uma praça no meio para leitura, sem ser necessário adquirir o exemplar. Muitos estudantes usaram a Livro 7 como uma biblioteca pública, muitos académicos fizeram ali suas investigações e, mesmo assim, é famosa a história de subtracção de livros, até por poetas, o que aos poucos colaborou para um estado de inviabilidade económica e gradativo processo de endividamento da livraria.

As estantes constituídas por autores pernambucanos representavam como que a marca da Livro 7. Algumas delas eram preenchidas só com exemplares das Edições Pirata. Fazendo uma panorâmica do movimento cultural recifense durante a sua vida de livreiro e da Livro 7, Tarcísio Pereira esclarece:

Nos anos 60 e 80 acho que o acontecimento mais importante do movimento cultural do Recife foi as Edições Pirata. Acho que a Pirata formalizou a geração e documentou todo esse movimento cultural. E creio que todo o pessoal que foi lançado pelo poeta César leal no Diário de Pernambuco, talvez com alguma excepção, foi documentado pelas Edições Pirata. A quantidade de livros que a pirata publicou, tanto de autores já consagrados, como de autores novos, é uma coisa impressionante. Penso que a Pirata constitui hoje, e constituirá sempre, um valioso objeto de estudos. Só a história poderá analisar com a devida precisão a importância das Edições Pirata na cultura pernambucana.6

O final da Livro 7 representou uma perda irreparável para a vida intelectual pernambucana. Com seu encerramento, perdeu-se não só o espaço de referência para os mais novos escritores pernambucanos, que podiam interagir com aqueles que já publicavam, como um próprio símbolo da Cidade do Recife – um ponto de identidade. Quantos intelectuais de fora do Estado ou mesmo estrangeiros tinham na Livro 7 um ponto de interesse! Quanto orgulho causava aquela livraria, espaço de convívio de várias gerações literárias contemporâneas em algum momento de sua actuação social e casa dos escritores da Geração 65, à qual também pertence Tarcísio Pereira!

O irónico – se não fosse trágico para o mundo literário pernambucano – é que muitos daqueles que lançaram as suas obras na Livro 7 estavam no poder à data do seu encerramento, nas diversas Instituições Culturais Pernambucanas, isto para não mencionar os que dispunham de poder nos meios de comunicação social. Mesmo assim, não houve nenhuma mobilização que pudesse salvar a Livro 7 da frieza das leis do mercado.

Porto, Novembro de 2008.

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