quinta-feira, 28 de julho de 2011

AMANHÃ TALVEZ

DOUGLAS MENEZES* – 1983

Não olhava o movimento da cidade, sentia o corpo tremer. Medo, somente medo. Recife toda iluminada, respirando vida. Foi ao vendedor de frutas, pediu: “Give-me an Orange, please!” Sorveu sofregamente a fruta, gesto mecânico. Olhou o relógio, dez minutos do horário combinado. A um transeunte aproveitou para pedir a hora: “What time is it?” Respondeu: “Seven o’clock, mister. Respirou fundo. Conseguiria atingir o objetivo? Angústia dolorosa. Junto ao cine São Luiz, um carro com os dizeres ao lado da porta: “Police Car”. Mais apreensivo ainda ficou, tudo agora mais difícil. Quase na hora, o amigo não demoraria. Mas até lá, o medo incontido. Para distrair-se olhou dois homens que trabalhavam numa livraria, consertando uma estante: “Give-me that a hammer, please, Fred”. “ Which hammer?”. O outro indicou: “His one?”. Cinco minutos apenas. Estava inseguro, no entanto. O amigo estaria sendo seguido? Pensamentos ruins. Procurou ouvir a conversa dos dois operários, para o tempo passar mais depressa. Um dos homens falou: “No, not that one”. O outro trouxe o martelo pedido: “ Here you are”. Agradeceu o homem postado ao pé da escada: “Thanks, Fred”. Ele, então, avistou o amigo que atravessava a ponte Duarte Coelho. Coração disparando, momento importante da sua vida. O amigo apertou-lhe a mão, olhou em volta, certificou-se de que ninguém prestava atenção. Entregou-lhe um livro. Ele trêmulo, segurou o volume. Imensa a alegria. Olhou o Recife: uma bela cidade realmente. Olhou o livro, na capa em preto-e-branco: “Macunaíma”. Mais embaixo: “Mário de Andrade”. Uma propaganda da edição: “Marco do Literatura Brasileira”. Ainda tremendo, guardou na pasta 007 o volume. Despediu-se do amigo, ouvindo oresto da conversa dos trabalhadores: “What colour are going to paint it? “. O outro respondeu: “ I’m going to paint it pink”. Finalmente ele se decidiu. Caminhou apressadamente, quase correndo. Sem querer trombou com uma moça, pediu desculpas: “Sorry”.


*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras

Um comentário:

  1. Excelente texto, rara sensibilidade e um domínio completo da técnica da construção textual. Em si tratando do escritor Douglas Menezes não poderíamos esperar outra coisa. Parabéns Douglas, "amanhã talvez" é uma obra de arte.

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