quarta-feira, 24 de março de 2010

DAVI



Por DOUGLAS MENEZES*

Foi embora o professor Davi. Se céu existir, com certeza ele estará lá. Menos pelos defeitos, que foram muitos por ser humano, mas pelo exemplo de humanidade e compromisso com a Educação. Isto num tempo em que a escola pública não ostentava a marca da violência que hoje ostenta e nem possuía a qualidade duvidosa dos dias atuais. Nos orgulhávamos de sermos alunos do Epitácio Pessoa, um educandário que não devia nada a nenhum colégio da região, com uma equipe de professores gabaritados e de alunos que ali estavam buscando objetivos na vida. Tanto isso é verdade que grande parte do seu corpo discente tornou-se pessoas com profissões definidas, pais de família, alguns com destaque na vida política e social do Cabo.

Professor Davi era elemento de destaque do corpo docente. Fui seu aluno no final da década de sessenta e início da de setenta, e impressionava-me, além do conteúdo das aulas, seu domínio ao ministrar o Português, a postura crítica em relação às injustiças sociais. Em plena ditadura militar, numa escola pública, muitas vezes cercada de dedos duros, ele ousava criticar o poder, mostrando, sobretudo, uma face política extremamente humana, e já demonstrando necessidade de mudança e de mais justiça social no Brasil.O mestre Davi, sem radicalismo, abriu os olhos do menino para um amadurecimento com consciência política. Pôs no quase adolescente o sonho de ver um mundo mais igual, onde a liberdade não fosse cerceada como era no Brasil de então.

Lembro, certa vez, de uma aula inesquecível. Quando, exaltado, bradou contra a fome do brasileiro,nas cidades e nos campos e a paupérrima condição física da criança brasileira, principalmente a da área rural, pálida, corroída pelos vermes e sem condições de aprender como deveria. E isto sendo feito depois da leitura e análise de um texto de Castro Alves sobre a escravidão. Uma analogia perfeita entre a miséria da população e os escravos do século dezenove e alvo da obra do escritor baiano.Um gigante, meu professor de Português Davi. A sensibilidade social transmitida e que até hoje carrego.

Foi embora o professor Davi. Parece-me que poucas homenagens recebeu, em vida, da cidade que ele escolheu para exercer seu sacerdócio. Maranhense de nascimento, foi aqui na cidade de Santo Agostinho, no entanto, onde o mestre atingiu sua plenitude profissional. E posso dizer, de novo, como venho dizendo, a gente vai ficando mais pobre, com perdas como esta, embora sejamos cada vez mais ricos em termos materiais. Que se guarde a lembrança dessa figura exemplo dentro e fora da sala de aula. Que se guarde nessa história tão esquecida, a imagem desse gigante da educação cabense. Esse gigante chamado Davi.

*DOUGLAS MENEZES é professor, escritor e membro da Academia Cabense de Letras – Cabo de Santo Agostinho/PE

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