domingo, 11 de novembro de 2012

A MINHA VIDA É UM BARCO ABANDONADO

Fernando Pessoa


A minha vida é um barco abandonado
infiel, no ermo porto, ao seu destino
por que não ergue ferro e segue o atino
de navegar, casado com o seu fado?
Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
torne seu vulto em velas; peregrino
frescor de afastamento, no divino
amplexo da manhã, puro e salgado.
Morto corpo da ação sem vontade
que o viva, vulto estéril de viver,
boiando à tona inútil da saudade.
Os limos esverdeiam tua quilha
os ventos embala-te sem te mover,
e é para além do mar a ansiada ilha.

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