domingo, 21 de outubro de 2012

A SAGA DE UMA CAMINHADA HERÓICA

Antonino Oliveira Júnior*




Nasci no agreste,
pequenino, frágil,
mas corajoso.
Ainda um pequeno filete,
recebi  pisadas e ameaças diversas,
mas segui adiante,
tomando corpo,
criando brilho próprio,
encantando as cidades por onde passei.
Segui meu curso
em busca de novos ares,
na ânsia de chegar ao litoral,
de me entregar ao mar,
como todo aquele que deixa o árido
em busca do frescor tropical.
A caminhada da felicidade
tornou-se dolorosa
e chorei,
sofrendo as dores da tortura,
da falta de ar, da vida se esvaindo,
fugindo de mim.
O chegar à cidade tornou-se um sofrer,
uma certeza que o mal estava a caminho:
espumas tóxicas, dejetos humanos,
lixo contaminado matando meus frutos...
Que dor horrível!
Os peixes, coitados, morrendo afogados...
Que dor horrível!
Pessoas morando pertinho de mim,
suspensas em varas, distantes da vida...
Mas eu sigo a viagem,
mulheres guerreiras, pedaço homem, pedaço mulher,
lavando as roupas, cantando cantigas alegres
em rostos felizes que escondem a tristeza
da alma que teima viver diante da morte...
Aqui, acolá,
crianças brincando em gritos e risos,
Inocência, pureza,
sem ver a sujeira que eu carregava;
Levo doenças, sofrimento e até a morte.
A canoa vai,
A canoa vem...
O homem olha triste para mim
e não entende...
sua vida está ali...

A minha agonia
é a fome dos seis,
dos sessenta, dos seiscentos.
O peixe afogado,
o pescador sem sorriso,
as crianças com fome...
Que dor horrível!
A espuma amarela
A cor da doença,
Prenúncio de morte...
E eu sigo a viagem,
quase não respiro
e tento (em vão) limpar-me com lágrimas...

O mangue!!!!

Tenho que ali chegar vivo,
ajudar a nascer novas vidas
de peixes, crustáceos, de plantas...
Estou chegando,
muito fraco, ofegante,
mas chegando,
levando espumas amarelas,
esgotos humanos,
restos de fábricas...
Reencontro mulheres guerreiras,
pretas da pele e do mangue;
mulher e mangue se abraçam...
Estou feliz...

Ainda que muito ferido e abatido,
levei a vida
ao mangue que resiste,
à mulher que teima em viver;

E vou um pouco mais além...
Que alegria!!!
Vejo o mar,
sinto a brisa tropical,
chego fraco, abatido,
ajoelho-me diante do mar
tão forte, tão imponente, tão envolvente...
Estou chegando mais perto
e volto a lembrança lá atrás...
As casas suspensas em varas,
o triste olhar do pescador,
a espuma amarela,
os dejetos,
os peixes afogados,
as mulheres guerreiras,
o mangue tinhoso...

Não há tempo para nada...

Estou sendo tragado...
Estou sendo engolido...

Cheguei ao final,
estou maior,

Virei infinito...
agora sou Mar...


*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras

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