sábado, 27 de abril de 2013

MANHÃ DE CHUVA



*Douglas Menezes*


Tem dias assim, onde a poesia transparece não com o sol brilhando, mas num céu carrancudo, de nuvens que pesam mais que chumbo. Um amanhecer escuro, forte a água que cai. O levantar disposto por sentir um momento diferente. Falta do sol, nenhuma, estranho sentimento de que a névoa traz uma verdade nova.
Ruas mais tranquilas, estudantes em algazarra, poucos, professores parados, escolas vazias e a sensação de que esta chuva veio não só para molhar caras e cabelos, mas para lavar a alma carecendo de limpeza. Preciso, então, espiritualizar esses pingos grossos, musicalizar esse ruído, harmonia doce só ouvida por quem tem olhos para enxergarem os sons. Não perceber frieza na água descendo sobre a pele. Ao contrário, sensualizar os poros, misturados ao líquido, quase sêmen, que penetra o corpo e encontra uma alma receptiva à purificação.
Manhã de chuva. Filosofando eu aqui, ainda sem coragem de me completar nas águas que vêm lá de cima. Deus chorando de alegria por confortar a terra seca. Um cão passeia impassível sob o temporal, felpudo, não sente frio, parece, como disse Manuel Bandeira, um homem de negócio preocupado com suas empresas. Cão passando, personalidade forte enfrentando o tempo bom de chuva. Necessito desse encorajamento. Na vida quem não se molha, não vive. Observar, não só; contemplar apenas é teorizar a carência prática do existirmos.
Então, a criança resolve ser o seu herói. Banhar-se ali, agora, correr na avenida. Ser menino já velho. Aumentam os pingos. Colada ao corpo a roupa. A sensação de felicidade. Ser louco para todos, não importa, pois entre trovões e relâmpagos e debaixo das águas torrenciais, aqui, agora, pelo menos nesse momento, eu sou feliz, para mim.


*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras

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