segunda-feira, 11 de março de 2013

UM CONTO SOBRE LOUCURA E SOLIDARIEDADE


                                     

                                               DOUGLAS MENEZES*

   O universo literário de Guimarães Rosa é marcado pela singularidade e, ao mesmo tempo, por uma postura de um tradicional contador de histórias. Nele, o revolucionário convive com o passadismo, com o provincianismo dos sertões das Minas Gerais. E isto se dá claramente no conto “Soroco, Sua Mãe, Sua Filha”.
    A estrutura narrativa é conservadora, numa história com começo, meio e fim,  além da característica típica de um conto: um único conflito próximo do desfecho. O narrador, heterodiegético, onisciente conduz a história de modo linear, na medida em que há uma sequência cronológica, levada até o final da história.
   Mas, a partir daí, começamos a observar os elementos inovadores e próprios das construções literárias de Guimarães Rosa. A temática se apresenta comum: a loucura como “gancho” no fazer artístico. O assunto, a ida das duas mulheres, mãe e filha de Soroco, ao hospício, não expressa  novidade, nem a presença da personagem sobre a qual gira todo o conto que, diga-se de passagem não consideramos redonda e sim, menos plana que as outras. Na verdade, o elemento humano emoldura o  conteúdo do texto. O que se quer chamar a atenção em termos de algo diferente em Soroco, Sua Mãe, Sua Filha são os aspectos ligados à linguagem: presença forte de neologismos, como “humildoso, “brutalhudo”, entre outros; o regionalismo evidente: “ O povo caçava um jeito”, “Para o pobre, os lugares são mais longe”.
     É interessante notar algumas construções frasais na ordem indireta, o que confere um tom poético: “ Em mentira, parecia entrada em igreja”. O poético está no fato de que a imagem figurada indicando que a cena se assemelhava a um casório é logo colocada como mentira, algo só aparente.
     O núcleo dramático do conto, podemos dizer o clímax do conflito, não está na expectativa da ida das duas mulheres ao sanatório em Barbacena, isto é uma preparação para o verdadeiro ápice conflitante do texto. O surpreso, o criativo em termos de conteúdo está no enlouquecimento de Soroco. A ausência da mãe e da filha, os únicos entes da personagem principal, nos leva a duas interpretações: uma, determinista, naturalista, a predisposição congênita a certas doenças, a loucura, por exemplo; a outra, de cunho humanístico: as ausências, mesmo de quem nos aperreia, doem mais. A solidão pode levar à loucura também. Mãe e filha distantes tornam a vida insuportável.
     Outro fato que nos chamou a  atenção, diz respeito ao final do conto, quando observamos dois elementos interessantes: a solidariedade da população para com Soroco, desde o início, mas sacramentada quando da sua loucura, ao acompanhá-lo na cantiga e em romaria; outra leitura que fazemos do desfecho da história se refere `loucura coletiva,  a predisposição de todos, no sentido de serem iguais aos três, que enlouqueceram.
    Notamos, também, que o ritmo lento da narrativa lembra um velório, um acompanhamento fúnebre, um réquiem, uma música triste em tom menor. Uma visão apocalíptica, melancólica, mostrando que não só os versos se ligam à música: a sonoridade pode estar em qualquer texto literário.
     Por fim, a evidente universalidade do conto. Do particular se discute encontrável em qualquer lugar do planeta, pois a vida pulsa, seja numa aldeia do interior nordestino ou numa megalópolis. Os problemas existenciais do homem não possuem residência fixa.

*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras.


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