quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

JOSÉ LINS DO REGO ( III )


JOSÉ LINS DO REGO:

A DOCE AMARGURA DO FINAL DE UM CICLO

BANGUÊ: A ESTÉTICA DO OCASO

DOUGLAS MENEZES


Há de observar-se no romance além do aspecto triste, o lado telúrico, inconfundível, e o colorido que dá movimento à tristeza da história, além de um brasileirismo calcado na paisagem canavieira, no monótono arrastado do carro-de-boi, no “banzo” presente em tudo. Isto fez o crítico Otto Maria Carpeaux afirmar: “José Lins é brasileiríssimo. Grande Literatura. São os seus romances um grande momento. Os historiadores do futuro aproveitar-se-ão desse documento para reconstruir todo um mundo. Essa obra não morre tão cedo. É eternamente triste como o povo. É o trovador trágico da província”.

O bafejo de morte que ronda o livro nos leva a um mundo que, ao contrário, é só vida. Isto porque o fatalismo ali encontrado nos remete à luta instintiva pela sobrevivência. Locomovem-se, os personagens, mesmo caminhando para um final anunciado, para um futuro de aniquilamento.

O que entendemos, então, é que a estética da decadência só foi possível ser evidenciada por conta da espontaneidade da linguagem, sem a qual o mundo expresso perderia sua autenticidade. Por isso, a obra de José Lins do Rego é vista como algo instintivo, natural, fluente, melancólico, triste, saudoso, passadista, poético. E Otto Maria, em um prefácio de Fogo Morto, vem colocar foros de verdade no que dissemos até agora: “A obra de José Lins é ele mesmo. É profundamente triste. É uma epopeia da tristeza, da tristeza da sua terra e da sua gente, da tristeza do Brasil. Na tremenda saúde física de José Lins do Rego há a consciência desesperada de todas as doenças possíveis e da morte certa. Há na sua obra a consciência de que tudo está condenado a adoecer, a morrer, a apodrecer. Há a certeza da decadência dos seus engenhos e dos seus avós, de toda essa gente que produziu, como último produto, o homem engraçado e triste que lhe erigiu o monumento. É grande Literatura”.

Um outro aspecto em Banguê, que facilita a compreensão da intencionalidade do autor em fixar o mundo decadente dos engenhos ou o fim desse mundo, é o fato do escritor ser um contador de histórias, um dos últimos. A linearidade de sua narrativa está em extinção. Hoje se busca um texto mais complexo e introspectivo. É como se o seu modo de contar morresse com os engenhos e a derrocada dos personagens.

A visão de decadência, no entanto, nos aparece nítida nos personagens marcantes no romance. É tese confirmada. São eles, os seres criados e evocados que completam o conjunto final de um ciclo. Em Banguê, dois deles sintetizam o tom sepulcral. A hora da morte, o lutar em vão pela continuidade do que está irremediavelmente perdido. José Paulino é o patriarca do final dos tempos. Os banguês tragados pelas usinas, mecanizadas, trazendo o progresso e o desemprego para milhares de camponeses semiescravos, mas, ainda assim, com seu pedaço de terra do engenho para plantar o que comer. Sintomático, logo no inicio da história, a constatação do personagem-narrador Carlos Melo, como uma cortina se abrindo, desnudando uma realidade sem fantasia, sem romantismo, doce amargura: “ O meu avô passava no quarto sem olhar. Na mesa não tinha mais aquela alegria de outrora. Falava da seca, do algodão em baixa, tudo o que não me interessava de perto”.

Deprimente Carlos Melo na confissão exageradamente humana. Poeticamente humana. Sensivelmente humana. Tão a gosto de José Lins do Rego: “ Ele era tudo para mim. Amava-o imensamente, sem ele saber. Via a sua caminhada para a morte, sentindo que todo o Santa Rosa desaparecia com ele”. E a frase que é uma sentença: “ Começava a sentir a decadência do meu avô”.

E como todas as histórias de fim de tempo, também essa traz reminiscências: “ Nos outros tempos, o velho José Paulino não parava, a gritar para todos os cantos. Montava a cavalo para ver o corte, gritava para os carreiros, para os maquinistas, mandava recados para o mestre de açúcar, para os caldeiros. Nada lhe parecia feito, tido ainda dependia de suas ordens. Comia depressa e saia para sua torre de comando, que estava em todos os lados do seu navio”.

E como os personagens de José Lins do Rego são fortes na incessante busca do passado! Na lembrança de que o bom já passou, recordando Chico Buarque no início de carreira. Um Realismo romântico.A evidência: hoje é o ruim, o pior está para acontecer. O progresso esmaga a esperança, e o refúgio é o pretérito recente, presente, como um passado atual. O neto que vai fracassar, e, num átimo, volta ao presente e pressente o início do fim: “Quando passava pela porta do meu quarto, eu sentia que com ele se ia todo o velho José Paulino. Tio Juca falhara, e os netos não davam para nada . E a morte rondava-lhe a cama de couro. Oitenta e seis anos já eram um fim de vida. Mas o via de longe, dormia a noite toda, acordava de madrugada, andava por toda a parte. Não me iludia, entretanto, com essa resistência. Um dia ou outro, cairia” (Banguê).

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