terça-feira, 18 de outubro de 2011

POETA MAURO MOTA - Cem anos

Quatro poemas de Mauro Mota:

Humildade


Que a voz do poeta nunca se levante
para ter ressonâncias nas alturas.
Que o canto, das contidas amarguras,
somente seja a gota transbordante.
Que ele, através das solidões escuras
do ser, deslize no preciso instante.
Saia da avena do pastor errante,
sem aplausos buscar de outras criaturas.

Que o canto simples, natural, rebente,
água da fonte límpida, do fundo
da alma, de amor e de humildade cheio.

Que o canto glorificará somente
a origem, quando mais ninguém no mundo
saiba ele de quem foi ou de onde veio.


A Chuva Cai Sobre o Recife


A chuva cai sobre o Recife devagar,
banha o Recife, apaga a lua, lava a noite, molha o rio,
e a madrugada neste bar.
A chuva cai sobre o Recife devagar.
A chuva cai sobre o telhado das casinhas de subúrbio,
canta berceuses a doce chuva. É a voz das mães
que estão no canto de onde a chuva agora veio.
A chuva cai, desce das torres das igrejas do Recife,
corre nas ruas, e nestas ruas, ainda há pouco tão vazias,
agora passam, de capote, transeuntes
do tempo longe, esses fantasmas de mãos frias.


Elegia Nº1


Vejo-te morta. As brancas mãos pendentes.
Delas agora, sem querer, libertas
a alma dos gestos e, dos lábios quentes
ainda, as frases pensadas só em certas
tardes perdidas. Sob as entreabertas
pálpebras, sinto, em teu olhar presentes,
mundos de imagens que, às regiões desertas
da morte, levarás, que a morte sentes

fria diante de todos os apelos.
Vejo-te morta. Viva, a cabeleira,
teus cabelos voando! ah! teus cabelos!

Gesto de desespero e despedida,
para ficares de qualquer maneira
pelos fios castanhos presa à vida.

Chuva de vento


De que distância
chega essa chuva
de asas, tangida
pela ventania?

Vem de que tempo?
Noturna agora
a chuva morta
bate na porta.

(As biqueiras da infância, as lavadeiras
correm, tiram as roupas do varal,
relinchos do cavalo na campina,
tangerinas e banhos no quintal,
potes gorgolejando, tanajuras,
os gansos, a lagoa, o milharal.)

De onde vem essa
chuva trazida
na ventania?

Que rosas fez abrir?
Que cabelos molhou?

Estendo-lhe a mão: a chuva fria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário