Não é fácil, hoje, estimular no estudante de nível médio o interesse
pelo texto literário. Às vezes, num momento de pessimismo exagerado, achamos
ser esta geração um amontoado de seres perdidos, invertendo os verdadeiros
valores humanos. Um punhado de gente vazia, superficial, incapaz de analisar,
por mais simples que seja, um tema, um conteúdo qualquer. Geração sem
cabeça, ao sabor da instantaneidade e de
ações inconsequentes. Espantosa visão apocalíptica, esta. Nesse pesadelo, como
encaixar, ao menos, uma tentativa, no meio dessa massa alheia, de realização de
um trabalho literário? Pensamos nós, nos instantes de negativismo insolúvel.
Mundo sem saída. Resposta inexistente para a equação.
Junte-se a isto, salas abarrotadas, salários
aviltantes. Omissão dos pais, preocupados, tão-somente, com o dia asfixiante na
luta pela sobrevivência.
Depois, apimentando a receita do bolo catastrófico da Educação no
Brasil, a tecnologia e os meios de comunicação contribuindo com informações
“mastigadas”, esperando apenas a ingestão, sem maiores questionamentos, pois
pensar, dói.
No entanto, o raciocínio depressivo, felizmente, vai-se dissipando e,
embora não haja luz, nem sequer túnel, há aquilo que não devemos esquecer
nunca: a crença em que, de uma forma ou de outra, podemos contribuir para que
“as coisas” melhorem um dia. Até porque, aqui e ali, a manhã começa a chegar,
tênue amanhecer pedagógico. Na certeza de fazermos dos inimigos, aliados,
ferramentas de apoio. Não sermos tão retrógrados, que não possamos avançar; nem tão avançados
que esqueçamos a tradição, também necessária na luta pelas ações
transformadoras.
Passado o ranço da desesperança, vislumbramos a possibilidade de incutir
no jovem estudante, a Literatura como objeto de seu interesse.
Se é tarefa quase hercúlea, deve, ao mesmo tempo, ser função do
professor de Português não deixar o
ensino da Língua tornar-se, na verdade,
alvo da alienação crescente junto ao educando mais novo. Fundamental reagir,
politizar de forma democrática, mas levando em consideração, a experiência a
ser passada, o professor um leme, um guia que escuta, crendo entrar no caminho
que julga correto. Influenciar aquele que necessita aprender e apreender de
modo positivo a discernir e aprofundar conhecimentos.
Aparece, então, a primeira
pergunta: é possível criar no aluno um interesse maior pela Intertextualidade,
já que esse conteúdo tornou-se fundamental na compreensão do
texto literário?
A Intertextualidade já existe em alguns compêndios ( que palavra! ) da
Língua Portuguesa do antigo segundo grau, um pouco sistematizada, porém, ainda
assim, incipiente. É como se houvesse um certo receio em mexer com o mito da
originalidade autoral. Remeter um texto a um outro, matriz, na visão
conservadora, pode macular as obras de alguns “monstros sagrados”. E o Ensino Médio é bastante recalcitrante
nesse ponto: não gosta muito de bulir em feridas recém-abertas.
No entanto, deve-se, pelo contrário, mostrar como a Intertextualidade é
apaixonante, comprovando que o diálogo entre textos não torna nenhum autor
menos criativo ou plagiador, demonstrando ser a Literatura um conjunto de
contribuições, de acréscimos àqueles troncos iniciais, aquilo diferente e
comuns a todos os textos, na visão de que não há escritos adâmicos. Essa
prática deixaria menos enfadonha a análise dos estilos literários, presa à
rigidez de datas e características nem sempre verdadeiras dentro do pragmatismo
do texto artístico. Há modernismo em obras do passado; bem como passado em
outras modernas. A verdade é que a Intertextualidade traz maior dinamismo ao
fazer literário. Retira todo o engessamento da velha teoria dos estilos de
época, que devem ser estudados sempre em um vai-e-vem: passado, presente e
perspectiva para o futuro.
Nessa linha, poderíamos motivar o Ensino Médio. Afastá-lo dessa
concepção estática que ainda, salvo exceções, em relação à prática pedagógica
da Literatura. Assim, a sonolenta concepção secular de não achar ligações entre
as diversas épocas, daria lugar à criativa interação entre períodos e autores,
valorizando-se, sobremodo, o diálogo entre textos. Sendo esse estudo bem
conduzido, não deixaria margens à visão simplória de que tudo se imita,
passando o adolescente a enxergar essa “imitação” como uma reescritura criativa
de temas já produzidos, residindo aí, a criatividade maior. Seria o primeiro
passo: eliminar qualquer visão preconceituosa em relação à Intertextualidade na sala de aula.
O aluno, nesse primeiro momento, deve entender a Intertextualidade como
um exercício analógico, já que, provavelmente, possui ele uma experiência desse
tipo durante sua vida antes da escola. Com efeito, para um principiante,
atividades indicando semelhanças no diálogo entre os textos, seriam um bom começo, pois analisar teoria
pelas diferenças comporta um aprofundamento não encontrado nos adolescentes.
Essencial é ativar a curiosidade do
estudante, fazendo-o trabalhar uma variada quantidade de textos e de autores
diferentes, ocasionando a inclusão do diálogo textual no dia a dia da sala de
aula, mostrando ser algo positivo o relacionamento intertextual para a
compreensão da escrita literária.
A partir daí, podemos trabalhar, com
os alunos do Ensino Médio, os textos de Graciliano Ramos. Sendo bom lembrar,
ser esse trabalho precedido de um conhecimento prévio sobre a
Intertextualidade. Assim, para o docente, não deve parecer estranho o uso do
termo, pois ele fará, constantemente, um exercício de diálogo.
Depois, os livros São Bernardo e
Angústia, logo no início do ano, devem ser indicados como paradidáticos. Os
alunos, assim, teriam tempo necessário de, pelo menos em um semestre, manusear
as obras, havendo também, a necessidade do conhecimento biográfico do autor e
alguma coisa sobre seu estilo, estabelecendo uma visão, ainda que superficial,
de toda a obra do mestre alagoano. O professor é fundamental nessa tarefa, à
medida que deve ser um elemento motivador na prática da leitura. A ideia geral
sobre a obra de Graciliano, repito, é fundamental. Por exemplo, ao falarmos da
linguagem enxuta dos dois livros em pauta, não criaremos estranheza aos alunos,
veriam isto com naturalidade, como marca do artista.
Além disso, o professor pode chamar
a atenção para um aspecto comum nos dois romances de Graciliano Ramos, Angústia
e São Bernardo, e que, com certeza, por ser um sentimento típico do ser humano,
tornará mais fácil a análise intertextual dos textos. Trata-se da presença do
ciúme nos dois livros, que de resto
sempre foi tema encontrado na Literatura Universal. Os dois personagens
principais, Paulo Honório em São Bernardo, e Luís da Silva em Angústia, a seu
modo, expressam um ciúme paranoico, que gera duas tragédias pessoais: a morte
da esposa Madalena em São Bernardo, que se suicida diante da pressão do marido;
e a perda da noiva Marina para o comerciante Julião Tavares, levando Luís da
Silva a assassinar o rival. Todo esse processo de desconstrução dos dois personagens
é seguido de uma desagregação psicológica degenerativa, sem volta e facilmente
compreendida por quem faz a leitura das duas obras.
E aí, um outro romance, de dimensão
grandiosa dentro da Literatura Brasileira, pode servir como mais um elemento
comparativo para o estudante de nível Médio: Dom Casmurro, de Machado de Assis,
a sua maneira, traz o ciúme, a desconfiança, como um dos temas centrais,
havendo, nesse momento, a possibilidade, de uma análise formal entre os três
livros: a mesma escrita enxuta é encontrada nas obras maiores dos dois
escritores. Linguagem carregada de essencialidade. Temáticas semelhantes,
abordagens diferentes, em Machado e em Graciliano, parecidos os dois, e, ao
mesmo tempo, díspares, pois cada um com sua personalidade própria de escritor.
O passo seguinte e definitivo, é
fazer um estudo da Intertextualidade, mostrando o dialogismo dentro da obra de
um mesmo autor. Dois escritores poderiam servir de modelo nesse exercício: José
Lins do Rego, na prosa, e Manuel Bandeira, na poesia. Ambos ricos em relação à
Intertextualidade.
Afora isso, lembremos de outras expressões
artísticas sobre a obra de Graciliano Ramos. Vidas Secas, São Bernardo e
Memórias do Cárcere são livros adaptados para o cinema que, pela qualidade,
acrescentam, e muito, algo mais sobre a produção do gênio alagoano. O teatro é
outra expressão artística que poderia ser utilizada pelos alunos em um estudo
na forma de monólogo, principalmente com relação a Angústia e São
Bernardo.
Por fim, recordar a
contemporaneidade do Mestre Graça. Sua atualidade, mostra, sobretudo, o autor
que ultrapassou o seu tempo. Como o mago Machado de Assis, demonstrou que os dramas humanos vão além de
um período histórico, inserem-se naquela visão de que grandezas e mesquinharias
acompanharão o homem, independendo da época e que sempre valerá a pena estudar
um artista como Graciliano, que produziu um trabalho de humanismo ímpar e que dificilmente será
apagado, por ser regional, brasileiro, mas, principalmente, universal.
DOUGLAS MENEZES É PROFESSOR DA REDE
OFICIAL E PARTICULAR DE PERNAMBUCO,
FORMADO EM LETRAS E EM COMUNICAÇÃO SOCIAL. ESPECIALISTA EM LITERATURA
BRASILEIRA E EM LEITURA, COMPREENSÃO E PRODUÇÃO TEXTUAL.
EMAIL: douglasmenezesnet@gmail.com
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