DOUGLAS MENEZES*
Ninguém lembrará de você daqui a pouco. No
picadeiro não vai importar sua emoção. Anos a fio, chorou e fez chorar. Sorriu
quando a dor era mais forte, naquela linha tênue entre a coragem e a fraqueza.
Emocionou-se pelos outros, deixou de sentir sua própria emoção. E assim
vai, e assim foi. Fez da vida um
parágrafo único: sem graça, no mais das vezes. E no desespero da sobrevivência
menor, ouviu a amizade insincera: sinto muito, não posso ajudar, tenho minhas
limitações. Pediu perdão por não ter sido forte. Consolou-se dizendo que o
mundo era assim. Ninguém lembrará de você, pois hoje a nuvem do esquecimento
levará de vez até a mais abissal das recordações. Vento sem som, carregando a
memória por milhões de noites e dias. Atemporal a existência. Comer, dormir,
fazer mais gente, perpetuando a rotina de sempre . Ai Drummond, vida besta
esta, como tu disseste. Só você estará como veio ao mundo, e o poeta não
esqueceu: “Pela última vida, poucos amigos hão de te procurar”. Santana também
constatou: “Quem nos levará à derradeira morada, se todos que conhecemos estão
indo embora para aquele sono sem retorno?” Pois, Santana, não haverá alça, nem
caixão. Belo será a nossa transformação em poeira cósmica, como diz Ferreira,
apenas a matéria orgânica voltará para onde veio. Vibrou com o futebol, fez
campanha, se expôs, caminhou muito, discutiu, e assim mesmo ninguém lembrou de
você. Não um agradecimento, que é demais para eles, mas a lembrança de que você
existiu há uns meses. Esquecido será, pelos bens que não teve, pelo receio de ousar mais e sair da mesmice, mesmo com
risco. E a quem veio ao mundo pelo seu sémen, apenas a vontade de que tudo benevolente seja, numa vida de fardo menor que a sua.
Ninguém lembrará de você daqui a pouco, embora ainda brotem as
flores nos dezembros, e as namoradas permaneçam com o cheiro de jasmim no riso
fácil de quem conta estrelas. Como lembrar de você daqui a pouco se já agora,
na madrugada do silêncio, a luz do esquecimento presente se faz. Memória
dilacerada, voz que não se ouve. Você e o medo medonho da amnésia do tempo,
aqui, amanhecendo, na certeza de que daqui
a pouco, com o sol e esse verão tão moreno quanto quente, ninguém
lembrará de você.
*DOUGLAS MENEZES é da Academia Cabense de Letras e Professor de Língua Portuguesa e Literatura.
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