DOUGLAS
MENEZES*
Não só comovente e humano; nem apenas um
drama familiar dentro de uma produção bem realizada, que leva ao riso e ao
choro. Que nos faz refletir e virar
menino na sala escura. Mas uma obra que, sem ser genial, tem a importância de
nos alertar para a necessidade de valorização de nossos aspectos culturais mais
caros. O filme sobre Luiz Gonzaga e Gonzaguinha é daqueles que deveriam ser
vistos por todos os brasileiros, principalmente por tratar da existência de
dois ícones de nossa vida artística, assim classificados por absoluto mérito,
pela inserção comunicativa com a realidade do Brasil, cada um a seu modo.
Luiz Gonzaga de Pai para Filho, mesmo com
alguns classificando-o como filme “chapa
branca” e com toda a carga negativa que essa expressão carrega, é uma obra que
não se limita a uma biografia, tem pretensão de ser arte, até ficção, pela dramaticidade dada aos
conflitos, à vida conturbada, mas rica
porém, dos dois personagens. Quer ser arte e consegue. A começar pela linguagem
simbólica, especial, conotativa, o que o
faz diferir de um simples documentário de duas vidas, levando-nos a um clima de
um trama romanesca, às vezes de tirar o
fôlego, apesar de em alguns momentos se tornar monótono. Um enredo tipicamente
de uma história de ficção, prendendo o espectador do começo ao fim, como se a
gente não soubesse o que aconteceu durante a passagem por aqui, de
Gonzaga e Gonzaguinha. É um presente ao público o ritmo do enredo, entrelaçado
com fatos históricos e músicas que marcaram a carreira dos dois. Ressaltemos,
inclusive, a coragem do autor, em
desvendar os aspectos negativos da
relação pai e filho. Mostrando, inclusive, ter sido Gonzaga um relapso, que não
cuidou como devia da educação e da afetividade de Gonzaguinha, expondo-o ao
mundo urbano violento e até a maus-tratos de sua segunda
mulher, muito embora a reconciliação venha a preencher a expectativa do
público, retomando a condição de ídolos
do país dos dois grandes artistas. Essa
coragem é outro mérito da obra: a de expor um ídolo nacional a sua condição
humana, de virtudes e defeitos.
Some-se a tudo isso, a dimensão dada à
diversidade brasileira. O Brasil urbano e rural. A mentalidade de um homem de
formação rude, e mesmo assim, sensível,
um conservador que ainda hoje encanta os modernos; e o outro, uma figura da
cidade, com uma obra revolucionária, portentosa, muito diferente do pai,
politicamente assumido como uma pessoa de esquerda e inimigo da ditadura
militar, ficando bem claro como eram
díspares as personalidades de ambos. E
esse Brasil contraditório do sertão e do cais; das feiras interioranas, que
ainda existem, e dos arranha-céus, já existentes em décadas passadas e do
sufoco urbano na luta pela sobrevivência, é mostrado com um certo ar de saudosismo,
mas querendo expressar que somos um e muitos ao mesmo tempo.
Então, vale a pena curtir esse filme. Não
sendo uma obra prima, nos leva, no
entanto, a entender que as
transformações mudam o mundo, mas que a tradição e a história formam os
alicerces para a identidade humana e cultural de um país.
*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras
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