domingo, 11 de novembro de 2012

NÃO SÓ COMOVENTE E HUMANO


DOUGLAS MENEZES*

  Não só comovente e humano; nem apenas um drama familiar dentro de uma produção bem realizada, que leva ao riso e ao choro. Que nos faz  refletir e virar menino na sala escura. Mas uma obra que, sem ser genial, tem a importância de nos alertar para a necessidade de valorização de nossos aspectos culturais mais caros. O filme sobre Luiz Gonzaga e Gonzaguinha é daqueles que deveriam ser vistos por todos os brasileiros, principalmente por tratar da existência de dois ícones de nossa vida artística, assim classificados por absoluto mérito, pela inserção comunicativa com a realidade do Brasil, cada um a seu modo.
   Luiz Gonzaga de Pai para Filho, mesmo com alguns classificando-o  como filme “chapa branca” e com toda a carga negativa que essa expressão carrega, é uma obra que não se limita a uma biografia, tem pretensão de ser arte,  até ficção, pela dramaticidade dada aos conflitos, à vida conturbada,  mas rica porém, dos dois personagens. Quer ser arte e consegue. A começar pela linguagem simbólica,  especial, conotativa, o que o faz diferir de um simples documentário de duas vidas, levando-nos a um clima de um trama romanesca,  às vezes de tirar o fôlego, apesar de em alguns momentos se tornar monótono. Um enredo tipicamente de uma história de ficção, prendendo o espectador do começo ao fim, como se a gente não soubesse  o  que aconteceu durante a passagem por aqui, de Gonzaga e Gonzaguinha. É um presente ao público o ritmo do enredo, entrelaçado com fatos históricos e músicas que marcaram a carreira dos dois. Ressaltemos, inclusive,  a coragem do autor, em desvendar os  aspectos negativos da relação pai e filho. Mostrando, inclusive, ter sido Gonzaga um relapso, que não cuidou como devia da educação e da afetividade de Gonzaguinha, expondo-o ao mundo urbano violento e até a maus-tratos de sua segunda mulher, muito embora a reconciliação venha a preencher a expectativa do público,  retomando a condição de ídolos do país  dos dois grandes artistas. Essa coragem é outro mérito da obra: a de expor um ídolo nacional a sua condição humana, de virtudes e defeitos.
   Some-se a tudo isso, a dimensão dada à diversidade brasileira. O Brasil urbano e rural. A mentalidade de um homem de formação rude, e mesmo assim,  sensível, um conservador que ainda hoje encanta os modernos; e o outro, uma figura da cidade, com uma obra revolucionária, portentosa, muito diferente do pai, politicamente assumido como uma pessoa de esquerda e inimigo da ditadura militar, ficando bem claro  como eram díspares as personalidades de ambos.  E esse Brasil contraditório do sertão e do cais; das feiras interioranas, que ainda existem, e dos arranha-céus, já existentes em décadas passadas e do sufoco urbano na luta pela sobrevivência, é mostrado com um certo ar de saudosismo, mas querendo  expressar que somos um  e muitos ao mesmo tempo.
    Então, vale a pena curtir esse filme. Não sendo uma obra prima, nos leva, no  entanto, a  entender que as transformações mudam o mundo, mas que a tradição e a história formam os alicerces para a identidade humana e  cultural de um país.


*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras
  
  

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