ORFANDADE
“A menina de preto
ficou morando atrás do tempo/ sentada no banco, debaixo da árvore / recebendo
todo o céu nos grandes olhos admirados. /
Alguém passou de manso, com grandes nuvens no vestido, / e parou diante dela, e ela, sem que ninguém
falasse, murmurou: A MAMÃE MORREU. / Já
ninguém passa mais, e ela não fala mais, também. / O olhar caiu dos seus olhos,
e está no chão, com as outras pedras, / escutando na terra aquele dia que não
dorme / com as três palavras que ficaram por ali”. ( Cecília Meireles)
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É inegável a força do Simbolismo na poesia de
Cecília Meireles, responsável, mesmo, pela reabilitação desse estilo dentro da
Literatura brasileira. E a presença da linguagem vaga, imprecisa, escondida na
conotação evidente confirma ser a poetisa
carioca a mais simbolista dos modernistas brasileiros. Toda a sua obra é
marcada, também, pela musicalidade, sonoridade constante, típicas dessa escola
do final do século dezenove.
E essa
melodia é evidenciada na assonância do seu poema Orfandade, materializada na
repetição da vogal E (alguém, ninguém). Outro elemento que nos indica
musicalidade se refere à Aliteração, concretizada na consoante P (passam,
parou, passa), o que confere um ritmo regular, próprio da música, embora com a
métrica instável, marca do Modernismo.
Ainda vislumbramos uma outra presença que configura sonoridade e
empresta uma beleza plástica fundamental ao texto. Trata-se dos dois últimos
versos: “ Escutando na terra aquele dia que não dorme/ Com as três palavras que ficaram por ali”. A
terra, junto com as pedras, como que repetem a frase constantemente: “ A mamãe
morreu”.
A primeira imagem forte do texto diz respeito à visão de que morar atrás
do tempo é, na verdade, viver de memória. Daí, já sentirmos ser o texto
profundamente introspectivo, apesar do “eu lírico” apresentar-se na terceira
pessoa.
Depois, visualizamos a cor branca da espiritualidade, presente no
primeiro verso da segunda estrofe: “Alguém passou de manso, com grandes nuvens
no vestido”.
O poema Orfandade, expresso quase que totalmente por Figuras de
Linguagem, mostra em termos de conteúdo, confirmando nossa análise, aspectos
bastante encontrados na estética simbolista, como o pessimismo, confirmado pelo fato negativo passado por alguém que
perdeu a mãe; o sentimento de solidão (“Já ninguém passa mais”); e a forte
imagem associada ao Simbolismo, expressa na presença da Sinestesia, que capta
elementos sensoriais, como forma de ligar o ser à natureza e a seus sons: “ O
olhar caiu (visual); Escutando na terra (auditiva)”. Além de tornar concreto,
elementos abstratos, ao misturar as palavras com as pedras, e a terra.
No mais, a imagem geral de que a dor
nunca dorme, nunca acaba, estará sempre como marca da vida: “Aquele dia que não
morre”.
Fevereiro de 2013.
*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras
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