*Douglas Menezes*
Tem dias assim, onde a poesia
transparece não com o sol brilhando, mas num céu carrancudo, de nuvens que
pesam mais que chumbo. Um amanhecer escuro, forte a água que cai. O levantar
disposto por sentir um momento diferente. Falta do sol, nenhuma, estranho sentimento
de que a névoa traz uma verdade nova.
Ruas mais tranquilas, estudantes em algazarra, poucos, professores
parados, escolas vazias e a sensação de que esta chuva veio não só para molhar
caras e cabelos, mas para lavar a alma carecendo de limpeza. Preciso, então,
espiritualizar esses pingos grossos, musicalizar esse ruído, harmonia doce só
ouvida por quem tem olhos para enxergarem os sons. Não perceber frieza na água
descendo sobre a pele. Ao contrário, sensualizar os poros, misturados ao
líquido, quase sêmen, que penetra o corpo e encontra uma alma receptiva à
purificação.
Manhã de chuva. Filosofando eu aqui, ainda sem coragem de me
completar nas águas que vêm lá de cima. Deus chorando de alegria por confortar
a terra seca. Um cão passeia impassível sob o temporal, felpudo, não sente
frio, parece, como disse Manuel Bandeira, um homem de negócio preocupado com
suas empresas. Cão passando, personalidade forte enfrentando o tempo bom de
chuva. Necessito desse encorajamento. Na vida quem não se molha, não vive.
Observar, não só; contemplar apenas é teorizar a carência prática do
existirmos.
Então, a criança resolve ser o seu herói. Banhar-se ali, agora,
correr na avenida. Ser menino já velho. Aumentam os pingos. Colada ao corpo a
roupa. A sensação de felicidade. Ser louco para todos, não importa, pois entre
trovões e relâmpagos e debaixo das águas torrenciais, aqui, agora, pelo menos
nesse momento, eu sou feliz, para mim.
*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras
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