DOUGLAS MENEZES*
O universo literário de Guimarães Rosa é
marcado pela singularidade e, ao mesmo tempo, por uma postura de um tradicional
contador de histórias. Nele, o revolucionário convive com o passadismo, com o
provincianismo dos sertões das Minas Gerais. E isto se dá claramente no conto
“Soroco, Sua Mãe, Sua Filha”.
A estrutura narrativa é conservadora, numa
história com começo, meio e fim, além da
característica típica de um conto: um único conflito próximo do desfecho. O
narrador, heterodiegético, onisciente conduz a história de modo linear, na
medida em que há uma sequência cronológica, levada até o final da história.
Mas, a partir daí, começamos a observar os
elementos inovadores e próprios das construções literárias de Guimarães Rosa. A
temática se apresenta comum: a loucura como “gancho” no fazer artístico. O
assunto, a ida das duas mulheres, mãe e filha de Soroco, ao hospício, não
expressa novidade, nem a presença da
personagem sobre a qual gira todo o conto que, diga-se de passagem não
consideramos redonda e sim, menos plana que as outras. Na verdade, o elemento
humano emoldura o conteúdo do texto. O
que se quer chamar a atenção em termos de algo diferente em Soroco, Sua Mãe,
Sua Filha são os aspectos ligados à linguagem: presença forte de neologismos,
como “humildoso, “brutalhudo”, entre outros; o regionalismo evidente: “ O povo
caçava um jeito”, “Para o pobre, os lugares são mais longe”.
É interessante notar algumas construções
frasais na ordem indireta, o que confere um tom poético: “ Em mentira, parecia
entrada em igreja”. O poético está no fato de que a imagem figurada indicando
que a cena se assemelhava a um casório é logo colocada como mentira, algo só
aparente.
O núcleo dramático do conto, podemos dizer
o clímax do conflito, não está na expectativa da ida das duas mulheres ao
sanatório em Barbacena, isto é uma preparação para o verdadeiro ápice
conflitante do texto. O surpreso, o criativo em termos de conteúdo está no
enlouquecimento de Soroco. A ausência da mãe e da filha, os únicos entes da
personagem principal, nos leva a duas interpretações: uma, determinista,
naturalista, a predisposição congênita a certas doenças, a loucura, por
exemplo; a outra, de cunho humanístico: as ausências, mesmo de quem nos
aperreia, doem mais. A solidão pode levar à loucura também. Mãe e filha
distantes tornam a vida insuportável.
Outro fato que nos chamou a atenção, diz respeito ao final do conto,
quando observamos dois elementos interessantes: a solidariedade da população
para com Soroco, desde o início, mas sacramentada quando da sua loucura, ao
acompanhá-lo na cantiga e em romaria; outra leitura que fazemos do desfecho da
história se refere `loucura coletiva, a
predisposição de todos, no sentido de serem iguais aos três, que enlouqueceram.
Notamos, também, que o ritmo lento da
narrativa lembra um velório, um acompanhamento fúnebre, um réquiem, uma música
triste em tom menor. Uma visão apocalíptica, melancólica, mostrando que não só
os versos se ligam à música: a sonoridade pode estar em qualquer texto
literário.
Por fim, a evidente universalidade do
conto. Do particular se discute encontrável em qualquer lugar do planeta, pois
a vida pulsa, seja numa aldeia do interior nordestino ou numa megalópolis. Os
problemas existenciais do homem não possuem residência fixa.
*Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras.
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